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...A sensação de retornar ao meu mundo era contraditória.
Sentia a paz que transmite o que é familiar.
O conforto de estar no meu covil, desfrutar da minha solidão e do silêncio…ao mesmo tempo, angustiava-me aquela quietude que sempre antecede as tempestades e eu pressentia que uma, me rondava.
Entre pensamentos e intuições, no meu íntimo, tinha decidido não tomar a iniciativa de te procurar.
Este tempo e distancia que me impunhas teria de ser respeitado, por integridade, por convicção que há momentos em que a inação é a única atitude a ser tomada.
Mordiam-me as saudades e atormentava-me a incerteza sobre o teu bem-estar.
Indecisões sempre me exasperaram e a intranquilidade emocional provoca-me uma quietude física incoerente, que confunde quem não me conhece...e tu conhecias pouco esse meu lado.
Pousei os olhos na orquídea azul que tinha colocado numa jarra e o meu pensamento fixou-se no desejo de te ver.
Desconheço se tive o dom de to comunicar telepaticamente, mas passados uns segundos ouvi o sinal de mensagem no telemóvel e sabia seres tu.
Perguntavas se tinha chegado bem.
Aquela pergunta, gentil e simpática, que me devia apaziguar, enfureceu-me interiormente… por me saber a pouco para o que esperava de ti.
Era temperamental, exagerada nos sentimentos e reações, emocional dos pés à cabeça e sentia tudo com uma intensidade incomum, quando em causa estava alguém por quem nutria sentimentos e tinha-os por ti.
Eras, uma das raras pessoas a quem tinha dado o poder e permissão para entrar no meu mundo...sentir-me defraudada nessa confiança era arrancar-me um pedaço da alma, uma ferida aberta nas entranhas do meu ser.
Respondi sucintamente que sim… que tinha chegado bem.
Quando sinto a alma dilacerada, sou lacónica nas respostas para esconder a vulnerabilidade em que me encontro.
Novo sinal de mensagem:
" Tenho de te ver, precisamos falar..."
Estava a terminar de ler e o telemóvel a tocar. A pulsação acelerou.
Para minha admiração não tinhas regressado a Lisboa, estavas na tua casa da montanha e querias que fosse ter contigo.
O coração num impulso respondeu um sim imediato, a mente colocou-me na boca um "Não" que irrompeu firme, decidido e ficou a pairar entre nós.
Senti um calafrio naqueles breves instantes de silêncio…de silencio e de medo... um medo irracional de ter agido precipitadamente e ter deitado tudo a perder.
Numa voz calma e ponderada, perguntaste-me qual era então a minha sugestão.
A resposta saiu tão rápida como se tivesse sido pensada:
"Vens tu até aqui, hoje recebo-te eu!"
Pareceste ficar entusiasmado com a ideia e disseste estar por cá pelo fim da tarde.
Depois de desligar a chamada, senti ter recebido uma injeção de adrenalina.
Saltei do sofá, a minha mente percorria à velocidade da luz tudo o que precisava arranjar para te receber.
O tempo, já escasso deixava-me ansiosa...queria que tudo estivesse perfeito.
Em catadupa veio-me à lembrança uma extensa lista de coisas que te poderiam desagradar naquele cenário:
O Eros...como lidarias com ele dentro de casa, no sofá da sala, quase à mesa das refeições... na minha cama? iria incomodar-te?
Estaria tudo a teu gosto? acharias tanto artefacto esotérico um exagero? teria livros a menos? o que iria fazer para o jantar? E a máquina da louça estava avariada!
Dei comigo sem folego...respirei fundo, tentei acalmar-me e raciocinar.
"Laura...minha querida…" Terias dito.
“…não deixes que as tuas inseguranças arruínem os teus sonhos!”
Senti-me a ser parva!
Aquele era o meu mundo, ali passava grande parte do meu tempo rodeada de objetos que escolhi e que tinham significado para mim.
As paredes eram das cores com que me sentia confortável, o pó que os móveis podiam ter, era o reflexo da minha maneira descontraída de ali viver…mostrar ser o quenão era, seria inglório.
Naquele momento desejei genuinamente que te sentisses confortável no meu mundo.
Dei uma olhadela geral pela casa...arrumei umas coisas que estavam fora do sítio e concentrei-me em fazer a cama e mudar as toalhas da casa de banho.
Com o que tinha no frigorifico conseguia arranjar uma refeição ligeira...faltava-me um vinho e alguma coisa para sobremesa.
Passava das cinco da tarde...imaginava que pelas sete e meia, oito horas, estarias por aqui.
Decidi ir comprar o que me faltava, numa pequena mercearia de bairro do outro lado da rua, para não perder tempo.
Comprei um vinho da região e um bolo gelado.
Mentalmente elaborei a ementa:
Bifinhos de frango grelhados com limão e pimenta rosa, acompanhados de salada de alface, abacaxi, manga e maracujá.
Parecia-me simples, mas elegante.
O vinho rosé bem fresco, casava bem com o prato.
Tinha ainda tempo de me refrescar e mudar de roupa...nada sofisticado, queria que conhecesses a Laura que também gosta de andar de calções de ganga e sapatilhas.
Preparei a mesa para o nosso jantar, decorei-a com a orquídea que me tinhas oferecido, abri a porta que dava para a varanda, deixava entrar o ar fresco da noite e assim podíamos apreciar aquele recanto verde onde estavam os meus vasos e a cama de rede de onde costumava admirar as estrelas nas noites de Verão.
Liguei, como sempre faço, todos os televisores da casa num canal de música e fui para a cozinha tratar dos preparativos para o jantar.
Eram sete e meia quando me ligaste, estavas a chegar e precisavas saber a localização exata da minha casa…expliquei o percurso e dei-te as indicações.
Em menos de nada vi-te chegar e estacionar em frente à minha casa.
Chegavam também aquelas borboletas que teimavam em aparecer contigo.
Acenei-te ...sorriste-me e senti o meu mundo tornar-se perfeito.
Desci as escadas para te receber
Olhamo-nos nos olhos e sorrimos numa cumplicidade selada por um abraço em que os nossos corações acertaram o ritmo, como se fossem um só.
Um raro momento em que sentimentos, convergem…um daqueles momentos que permanecerá impresso na memoria da alma.
In, Grãos de Pimenta Rosa
Natércia Teixeira