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BAIÃO CANAL - Jornal

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OBLIQUIDADES (3) | Jaime Milheiro

Jaime Milheiro

“Assim falava Zaratustra”

Em dois mil e vinte e um

Naquela manhã de  Sol

Que dentro de si raiava:

“Vivo num País desgraçado, cheio de patifes e de aldrabões. A minha rua foi completamente ocupada por eles, no meu escritório todos os dias os aguento, esta gentalha não tem cabeça nem emenda.

Vigaristas, ladrões, espertalhaços, trafulhas, é o que mais há em Portugal.

Por este andar nunca deixará de haver, embora nesta altura tudo esteja bastante pior…

 

                                   (Excepto, obviamente, em minha casa,

                                   onde todos somos digníssimos cidadãos,

                                   cumpridores impolutos, virtuosos  pagadores…)

 

nesta  traficância a que nos conduziram.

Malfeitorias sem nome, prevaricações insolentes, degradação de hombridade, acumulação de funções, embusteiros encartados, por toda a parte  se notam  sem que  ninguém  disso cuide...

 

                                   (Excepto, obviamente, na minha família,

                                   onde todos os primos e primas

                                   se solidarizam com o que os pais  ensinaram,

                                   altamente preocupados com os destinos da Pátria e da Nação….)

 

nesta calamitosa condição política  que nos impuseram.

Roubalheiras sem vergonha, mentirolas sem maneiras, denegação de princípios, total ausência de considerações éticas e morais, na comunicação  pululam e nos comícios se cultivam…

 

                                   (Excepto, obviamente, naquilo que participo

                                   e nas drogarias  do meu  comando,

                                   irrepreensíveis nos ócios e negócios…)

 

nesta miserável proposta social  em que nos engolfaram.

 Exposições grosseiras, palavrões à mistura, aberturas sem cuecas, mulherio de alterne, extravagâncias baratas, em todas as localidades fizeram escola,  até nas autarquias e nas paróquias, num completo atentado à decência e numa absoluta falta de respeito pelos outros...

 

                                   (Excepto, obviamente, nas que frequentamos

                                   e nos  grupos com quem lidamos,

                                   plenos de regras e  de bons preceitos…)

 

sem nunca rolarem cabeças.

 Tanta corrupção cansa-me. Este país cansa-me. Nem me merece.

Até o nosso querido Bispo à tardinha  lamenta, quando dialogamos. 

Mas, apesar de tanto sofrimento, não posso esquecer as tarefas da manhã:

             tratar da borla para o espectáculo de logo à noite

arranjar maneira de esconder a procedência do meu novo carro

orientar as chefias para   desembaraçar-me das  multas

despachar  os produtos fora de prazo antes que alguém repare

dirigir  as encomendas para o concurso da  minha filha e  acelerar a inscrição do Mateus no Partido, não vá o sacana do  Mendes  ultrapassar-nos

desencantar mais processos contra os queixosos daquelas pequenas coisas que não me  correram bem, esperando que tudo  prescreva

inventar  umas historietas para o que o farsante do Antunes me pague o dobro pelo  contrabando  que lhe cedi….

devolver ao agente a Catarina do escritório...

                                              

                                   (Não tenho mais pachorra para  esta gaja,

                                    boazona  mas  de nariz  empinado

                                   se calhar nem percebeu ao que vinha,

                                   e nunca  assinamos contrato, obviamente….)

 

não vá  alguém adiantar-se na compra daquela herdadezita do vigarista do Figueiredo (tem um palacete lindíssimo) que está à rasca com  as dívidas da família.

Chegou o momento  certo de o liquidar, em termos que a minha esmerada educação  não  permite aqui reproduzir…

 

sempre desejando óptima Saúde para todos, na Paz do Senhor, obviamente!”

Jaime Milheiro (psicanalista)

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