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BAIÃO CANAL - Jornal

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TEMPOS DE DESVARIO | por Paulo Esperança

PAUL ESP

À falta de argumentos mais válidos qualquer escrito, discussão, análise, conversa, debate termina, invariavelmente, com a máxima do lugar comum: consequências da globalização.

Vivemos num mundo que desistiu de pôr os nomes aos bois ou seja, de escrever, discutir, analisar, conversar, debater as razões, as causas, os fautores daquilo que vem trucidando a humanidade tornando-a maniqueísta e assustadoramente perigosa.

De facto, hoje já não se discute, e pouco se escreve, o porquê da miséria em África, quem manda no sistema que realiza os crimes climáticos, qual a razão de, em inúmeros países, nomeadamente Portugal, haver milhares e milhares de seres humanos que vivem à míngua sem que lhe sejam outorgados os mais elementares direitos humanos.

Claro que em épocas especiais lá surgem as manifestações de caridadezinha,muitas delas suportadas por grandes marcas comerciais que no meio dos seus avultados lucros vão dispensando um eurozitopara os pobrezinhos.

A maioria de nós passa ao lado de tudo isto…pois a culpa é da globalização!

A miséria, a fome, as doenças sistemáticas que proliferam nos países menos desenvolvidas, a falta de água, a fome, as condições infra-humanas de habitação, a negação do acesso à educação ou ao emprego com direitos…isso agora não interessa para nada!

Não há responsáveis por tudo isto? Como dizia José Mário Branco no “FMI”, a culpa é de todos, não é? A culpa não é de ninguém, não é?

No máximo, todos esses agentes obscuros de que, a maior parte das vezes, não se conhece o rosto, proclamam por intermédio das suas agências de comunicação: vamos lá ver como podemos aproveitar a globalização para extrairmos dela alguma coisa boaa favor de quem mais precisa.

A vida, infelizmente, mostra-nos que uma coisa só existe se for pública e notícia.

Para tal é preciso que alguém lhe dê atenção e escreva ou fale sobre ela.

Pois…pode-se falar sobre essa coisa assobiando para o ladocomo quem não quer a coisaou indo ao fundo do assunto, doa a quem doer.

Nos tempos que vão correndo, muito se assobia para o ladofazendo da ligeireza e da trivialidade o modus operandi, massificado.

Nada acontece por acaso: este processo de adormecimento de consciências tem, em várias alturas, conivência de alguma comunicação social especializada em ser a voz do dono.

Dizem os manuais mais elementares do jornalismo que a notícia deve ter seis vectores centrais: quem, o quê, onde, quando, comoe porquê.

Que se vê hoje: qualquer jogador de futebol em ceroulas tem honras de primeira página remetendo para uma outra, inócua e vazia, um facto político, uma posição ideológica ou uma afirmação contra-a-corrente.

O direto sobre o atropelamento de uma velhinha ou sobre uma parede que caiu em cima de um lagar de azeite têm lugar de privilégio e de destaque em detrimento das notícias que denunciem os tais fautores responsáveis por grande parte da miséria humana.

Sim, aqui de facto temos a globalização! Mas da mediocridade, do comodismo e do laissez faire, laissez passer!

Não julguemos que este contrabando informativo só nos surge de manhã, quando abrimos o correio.

Podemos observar, muitas vezes,que isenção e rigor podem ter sempre dois ângulos: o de quem nos paga e, portanto, está caladinho senão levas no focinho como cantavam os Trabalhadores do Comércio ou contar e escrever a verdade e …talvez ser despedido.

Esta ondado novo jornalismo muito dado aos faits diversnão tem escola apenas nos tabloides, mas também em muita imprensa chamada de referência. A necessidade de vendas e a concorrência levam a que se mediatizem os acontecimentos a partir do grau menos um do seu interesse público.

Este fenómenonão está radicado apenas neste cantinho à beira mar plantado.

Lá temos a globalização, de novo!

Basta atentar nalgumas capas de jornais estrangeiros, e também nacionais, para verificar que a mudança da cor de cabelo de Donald Trump merece mais atenção que os assassinatos racistas nos Estados Unidos.

É o que temos…dirão! Pois, mas que faremos? Ou vamos também globalizar o nosso pensamento pelo que nos apresentam como pretensamente maioritário e como mais ajustado aos tempos modernos?

Esperemos que este projecto seja uma lança em Áfricade molde a fazer-nos acreditar que ainda é possível haver informação e opinião…a sério, por muito localizado que seja o seu veiculo transmissor!

Por mim, continuarei, se puder ser livre. Como dizia José Mário Branco no FMI, estou aqui para inventar o mar de volta e encontrar a margem do outro lado. Contem com isto de mim, não para cantar, mas para o resto.

 

Paulo Esperança

 

 

 

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