Os seres humanos rejeitam, por norma, os portadores daquilo que em si próprios pressentem mas não suportam.
Quem nega ou recalca a sua própria avareza, por exemplo, gozará de óptimas condições para rejeitar e atacar a avareza dos outros. No dia a dia obstinadamente a perscruta e numa incumbente necessidade a toda a hora nos outros inventa mesquinhices a propósito do dinheiro, transformando-se num explícito acusador daquilo que em si próprio existe mas não aceita. Sem dar por isso, remexe-se nas intolerâncias que sempre considera rigorosamente pertinentes e louvatórias dos bons costumes, feito sacristão de si mesmo.
Se admitisse a sua própria avareza suportaria muito melhor a dos outros e reconciliar-se-ia internamente
(Os idênticos vislumbram-se,
num formato pouco consciente,
accionados pela inteligência matriz … )
conseguindo discernimentos muito mais adequados para os seus julgamentos e preconceitos.
Acentuando essa linha:
Só os incapazes de íntima reconciliação odeiam a vida
Só eles não aceitam as perdas porque nunca no seu imaginário aceitarão perder, no balanceio do que foram ou não foram, do que fizeram ou não fizeram
São pessoas cuja subjectividade desconstruiu os sentimentos básicos de segurança e de esperança
(Condição que os fez crescer,
sem tais sentimentos nem sobreviveriam...)
trocando-os por invejas e desconfianças.
Rejeitando-se a si mesmos, rejeitam tudo o que à sua volta circula, numa atitude tanto mais grave quanto mais investida. E arrastam-se na queda, recusando admitir a sua real participação no que obtiveram ou não obtiveram.
Nesse insólito estrabismo
(Incapazes de uma justa avaliação
incapazes de uma justa despedida...)
apenas reconhecem racionalidades utilitárias nas relações onde escorregam noite e dia
delas excluindo a íntima capacidade de sussurro que todos os seres humanos afagam desde o início
(Não sussurrar será desumanizar,
será apenas aferir, conferir, deprimir…)
mas que a levada sumiu.
Jaime Milheiro
(Arquivo)