Rita Diogo | Viver abril, a minha liberdade, a liberdade do outro.
Este ano comemoramos os 50 anos do 25 de abril, que data tão bonita e que bonita festa a que esperamos que aconteça nas ruas, nas casas, nas instituições e em cada um(a) de nós.
A minha liberdade começou no dia em que nasci, nasci livre, um ano após a revolução. A liberdade de tantas e tantos começou apenas naquela “…madrugada que eu esperava. O dia inicial inteiro e limpo. Onde emergimos da noite e do silêncio. E livres habitamos a substância do tempo", como nos escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen. Sou uma privilegiada, sou certamente uma privilegiada, porque nasci livre, porque sou livre, porque consigo fazer valer a minha opinião respeitando a do outro, porque escolho a forma como vivo, porque não me deixo oprimir. O meu privilégio vai além da liberdade na qual nasci, o meu privilégio assenta no facto de ter uma casa para morar, de ter um trabalho digno, de ter estudado, de ser economicamente independente. São estas condições que me permitem pensar sobre a minha vida e sobre o meu futuro, ao invés de estar centrada na minha sobrevivência e, sim, isto é liberdade! Estas construções só são possíveis porque sou livre, mas 50 anos depois ainda não são transversais e acessíveis a todas as pessoas. Este meu privilégio faz-me assumir a responsabilidade cívica e social para desconstruir narrativas nos vários contextos onde me movo. A minha liberdade não é seguramente a mesma de outras mulheres: é fundamental desconstruir vários estereótipos de género que nos toldam os sonhos e as aspirações. O caminho da igualdade ainda se está a construir, mesmo passados 50 anos, a paridade parece ainda um eufemismo, o patriarcado ainda rege muitas vidas, há muitas mulheres que ainda se subjugam. A celebração dos 50 anos da democracia é também a celebração dos direitos das mulheres e das nossas conquistas, mas a luta é diária, companheiras, a luta é diária. Tive a sorte de crescer numa família que me transmitiu os valores de abril, de estudar numa Escola onde me falaram sobre a revolução e sobre a ditadura e aprendi que podia usar a minha palavra como uma arma. Aprendi a compreender que se tivesse nascido antes do 25 de abril, possivelmente não teria sobrevivido à repressão.
Por tudo isto, assumo a responsabilidade de, coletivamente, também lutar pela liberdade do outro. Nunca seremos verdadeiramente livres enquanto houver alguém que não o seja. Em 2024, nas celebrações dos 50 anos do 25 de abril, teremos na Assembleia da República 50 deputados da extrema direita. Estes deputados foram democraticamente eleitos, é certo, tendo consagrado o direito de representarem os seus eleitores na casa da democracia. Os valores de abril não são os valores da extrema direita, também é certo, e a democracia vai perigando aqui e ali. Vai perigando quando se ouvem discursos de ódio, discursos em que há clivagem entre “portugueses de bem” e os outros, vai perigando quando se atenta contra direitos humanos, quando deixa de se proteger os mais vulneráveis, quando se fazem discursos xenófobos, misóginos, machistas, racistas com o intuito de exercer influência sobre os descontentes.
A democracia ainda é frágil, isso sabemos. Falar de liberdade hoje é seguramente muito complexo, tão complexo como os problemas que enfrentamos na habitação, na educação, na saúde. A liberdade de escolher ainda está muito condicionada pela capacidade económica de cada um de nós, os direitos que deveriam chegar a todos e a todas ainda não chegam da mesma forma. Não há maior condicionante da liberdade do que a pobreza, mata os sonhos, destrói as aspirações, desnivela a sociedade. O que construímos depois do 25 de abril de 1974 foi fruto do que quisemos fazer, das lutas que priorizamos, mas os desafios continuam e fazem-nos sair à rua. A revolução permitiu-nos as escolhas, as vozes, as opiniões, todas as cores, todos os formatos de vida, mas há ainda tanto abril por cumprir, não esqueçamos. Vamos colorir a festa, empunhar cravos vermelhos, vestirmo-nos de sorrisos e alegria, cantar e gritar bem alto “viva a liberdade”.