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BAIÃO CANAL - Jornal

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Natércia Teixeira | Momentos…

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...A sensação de retornar ao meu mundo era contraditória.

Sentia a paz que transmite o que é familiar.

O conforto de estar no meu covil, desfrutar da minha solidão e do silêncio…ao mesmo tempo, angustiava-me aquela quietude que sempre antecede as tempestades e eu pressentia que uma, me rondava.

Entre pensamentos e intuições, no meu íntimo, tinha decidido não tomar a iniciativa de te procurar.

Este tempo e distancia que me impunhas teria de ser respeitado, por integridade, por convicção que há momentos em que a inação é a única atitude a ser tomada.

Mordiam-me as saudades e atormentava-me a incerteza sobre o teu bem-estar.

Indecisões sempre me exasperaram e a intranquilidade emocional provoca-me uma quietude física incoerente, que confunde quem não me conhece...e tu conhecias pouco esse meu lado.

Pousei os olhos na orquídea azul que tinha colocado numa jarra e o meu pensamento fixou-se no desejo de te ver.

Desconheço se tive o dom de to comunicar telepaticamente, mas passados uns segundos ouvi o sinal de mensagem no telemóvel e sabia seres tu.

Perguntavas se tinha chegado bem.

Aquela pergunta, gentil e simpática, que me devia apaziguar, enfureceu-me interiormente… por me saber a pouco para o que esperava de ti.

Era temperamental, exagerada nos sentimentos e reações, emocional dos pés à cabeça e sentia tudo com uma intensidade incomum, quando em causa estava alguém por quem nutria sentimentos e tinha-os por ti.

Eras, uma das raras pessoas a quem tinha dado o poder e permissão para entrar no meu mundo...sentir-me defraudada nessa confiança era arrancar-me um pedaço da alma, uma ferida aberta nas entranhas do meu ser.

Respondi sucintamente que sim… que tinha chegado bem.

Quando sinto a alma dilacerada, sou lacónica nas respostas para esconder a vulnerabilidade em que me encontro.

Novo sinal de mensagem:

" Tenho de te ver, precisamos falar..."

Estava a terminar de ler e o telemóvel a tocar. A pulsação acelerou.

Para minha admiração não tinhas regressado a Lisboa, estavas na tua casa da montanha e querias que fosse ter contigo.

O coração num impulso respondeu um sim imediato, a mente colocou-me na boca um "Não" que irrompeu firme, decidido e ficou a pairar entre nós.

Senti um calafrio naqueles breves instantes de silêncio…de silencio e de medo... um medo irracional de ter agido precipitadamente e ter deitado tudo a perder.

Numa voz calma e ponderada, perguntaste-me qual era então a minha sugestão.

A resposta saiu tão rápida como se tivesse sido pensada:

 "Vens tu até aqui, hoje recebo-te eu!"

Pareceste ficar entusiasmado com a ideia e disseste estar por cá pelo fim da tarde.

Depois de desligar a chamada, senti ter recebido uma injeção de adrenalina.

Saltei do sofá, a minha mente percorria à velocidade da luz tudo o que precisava arranjar para te receber.

O tempo, já escasso deixava-me ansiosa...queria que tudo estivesse perfeito.

Em catadupa veio-me à lembrança uma extensa lista de coisas que te poderiam desagradar naquele cenário:

O Eros...como lidarias com ele dentro de casa, no sofá da sala, quase à mesa das refeições... na minha cama? iria incomodar-te?

Estaria tudo a teu gosto? acharias tanto artefacto esotérico um exagero? teria livros a menos? o que iria fazer para o jantar? E a máquina da louça estava avariada!

Dei comigo sem folego...respirei fundo, tentei acalmar-me e raciocinar.

"Laura...minha querida…" Terias dito.

“…não deixes que as tuas inseguranças arruínem os teus sonhos!”

Senti-me a ser parva!

Aquele era o meu mundo, ali passava grande parte do meu tempo rodeada de objetos que escolhi e que tinham significado para mim.

As paredes eram das cores com que me sentia confortável, o pó que os móveis podiam ter, era o reflexo da minha maneira descontraída de ali viver…mostrar ser o quenão era, seria inglório.

Naquele momento desejei genuinamente que te sentisses confortável no meu mundo.

Dei uma olhadela geral pela casa...arrumei umas coisas que estavam fora do sítio e concentrei-me em fazer a cama e mudar as toalhas da casa de banho.

Com o que tinha no frigorifico conseguia arranjar uma refeição ligeira...faltava-me um vinho e alguma coisa para sobremesa.

Passava das cinco da tarde...imaginava que pelas sete e meia, oito horas, estarias por aqui.

Decidi ir comprar o que me faltava, numa pequena mercearia de bairro do outro lado da rua, para não perder tempo.

Comprei um vinho da região e um bolo gelado.

Mentalmente elaborei a ementa:

Bifinhos de frango grelhados com limão e pimenta rosa, acompanhados de salada de alface, abacaxi, manga e maracujá.

Parecia-me simples, mas elegante.

O vinho rosé bem fresco, casava bem com o prato.

Tinha ainda tempo de me refrescar e mudar de roupa...nada sofisticado, queria que conhecesses a Laura que também gosta de andar de calções de ganga e sapatilhas.

Preparei a mesa para o nosso jantar, decorei-a com a orquídea que me tinhas oferecido, abri a porta que dava para a varanda, deixava entrar o ar fresco da noite e assim podíamos apreciar aquele recanto verde onde estavam os meus vasos e a cama de rede de onde costumava admirar as estrelas nas noites de Verão.

Liguei, como sempre faço, todos os televisores da casa num canal de música e fui para a cozinha tratar dos preparativos para o jantar.

Eram sete e meia quando me ligaste, estavas a chegar e precisavas saber a localização exata da minha casa…expliquei o percurso e dei-te as indicações.

Em menos de nada vi-te chegar e estacionar em frente à minha casa.

Chegavam também aquelas borboletas que teimavam em aparecer contigo.

Acenei-te ...sorriste-me e senti o meu mundo tornar-se perfeito.

Desci as escadas para te receber

Olhamo-nos nos olhos e sorrimos numa cumplicidade selada por um abraço em que os nossos corações acertaram o ritmo, como se fossem um só.

Um raro momento em que sentimentos, convergem…um daqueles momentos que permanecerá impresso na memoria da alma.

(arquivo) Baião canal

 

In, Grãos de Pimenta Rosa

Natércia Teixeira