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BAIÃO CANAL - Jornal

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Jaime Froufe Andrade | Histórias avulso

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Manhã encantada

Vivemos próximo um do outro. Os nossos encontros são frequentes. Saudamo-nos, saudamo-nos até com vivacidade, mas nunca paramos. Ligado à cidade, a tudo, a todos, o Germano não tem tempo para conversa fiada. Tem mais que fazer. Passo rápido, andar citadino, corre entre assembleias, entrevistas, visitas guiadas, palestras.

Da última vez, não chego a saber porquê, obriguei-o a parar para um aperto de mão. Mas logo me arrependi e até me despedi: Adeus, adeus sócio, sei que estás com pressa. O Germano olhou a biqueira dos sapatos, puxou a orelha, a orelha direita, tique muito seu quanto tem de tomar decisões rápidas, e !!! propôs: Vamo-nos sentar?  

A pressa sumiu-se como água da chuva pelos bueiros do Porto. Senta-se devagar, braços estirados ao longo das costas de um banco no jardim do Marquês, cabeça reclinada para trás a mirar a copa das árvores. E vai falando. Disserta sobre o céu, os pássaros, as casas, os bichos, a gente que passa. 

Silencioso, oiço. Momento raro, para quem me conhece: afinal não é todos os dias que este vosso repórter está com um Doutor Honoris Causa da Universidade do Porto. Sinto que ele resgata a usura utilitarista dos dias de hoje, surpreende e partilha os valores essenciais da vida. Sou testemunha de como este velho mago do tripeiro burgo está a transformar uma vulgar meia manhã num tempo suspenso sem começo nem fim, uma manhã encantada. 

 

Texto publicado no livro o Homem com GENTE ATRÁS - Tributo a Germano Silva, colecção Memória Perecível, da AJHLP-Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto