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BAIÃO CANAL - Jornal

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Rita Diogo | O poder de um ecrã para os adolescentes

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Finalmente, as escolas do 2º, 3º ciclo e secundário vão voltar às suas atividades presenciais. Este momento é aguardado com enorme expectativa por muitos adolescentes, pais e professores. Chegará ao fim mais um longo período com aulas online. Espera-se que se recuperem as rotinas, o acordar mais cedo, o vestir das calças de ganga e o calçar das sapatilhas. Espera-se que volte o contacto, olhos nos olhos, entre colegas e amigos com que apenas se conversou por vídeochamadas. Espera-se que se recupere o gosto pela aprendizagem e que volte a motivação escolar. Sabemos que será um retomar daquilo que nunca se deveria ter perdido: a Escola na sua plenitude e as rotinas que uma vida ativa proporciona.

Estes dois longos meses, seguiram-se aos meses de março, abril, maio e junho do ano passado, em que os hábitos e a vida dos adolescentes foram virados do avesso, sem que ninguém o tivesse pedido. As atividades ao ar livre foram reduzidas a meia dúzia de momentos. O desporto escolar, o desporto federado, a prática desportiva em geral ficaram em suspenso. As atividades artísticas, as oficinas de teatro que existem por esse país fora, a aprendizagem da música tiveram apenas aprendizagem online. Para tantos e tantos jovens que tinham atividades extraescolares como estas, passaram a existir tempos mortos, ao longos destes dias.

Os nossos jovens tiveram que se adaptar a várias mudanças na sua vida, concretamente à escassez de alternativas de ocupação dos seus tempos livres, em confinamento, nas suas casas. Aqui surgem os ecrãs, os telemóveis, os tablets, os computadores, a internet. Sabemos que os hábitos de leitura são reduzidos entre os jovens e, por isso, perdem terreno para as tecnologias. Sabemos o quanto o ser humano é “poupadinho”, poupa energia e escolhe o mais fácil e o mais disponível. Quem tem filhos observou nestes confinamentos um aumento do uso das tecnologias e dos ecrãs. Quem trabalha com jovens e adolescentes conhece o seu gosto por jogos de computador ou de consola, com maior preferência dos rapazes, e pelas redes sociais, com maior preferência das raparigas. Não me parece adequado diabolizarmos a internet e o seu uso cheio de potencial de conhecimento e informação. Também não me parece conveniente esquecermo-nos que, em muitos casos, a internet e os ecrãs são a única companhia que muitos jovens têm. É fundamental percebermos os riscos do uso excessivo dos ecrãs a par destes benefícios. Raro é o adolescente que não tem o seu telemóvel, quase sempre com acesso à internet, tendo os amigos (reais ou virtuais) ao alcance de um toque no ecrã, tendo um jogo a pedir que se carregue no “start”, havendo notificações das redes sociais a piscar a toda a hora. O que aconteceu neste confinamento? Ora, os adolescentes passaram o tempo letivo em frente ao computador a ter aulas por “zoom”, “teams” ou outra plataforma digital qualquer. A seguir ao tempo letivo e nos intervalos entre aulas não saíram da sala de aula e foram até ao recreio passear com os amigos. Ficaram nos seus quartos a falar com os amigos através de vídeochamadas, ou a fazer “scroll” nas redes sociais, ou a jogar. No final das aulas não tiveram que vir até casa, não foram apanhar o autocarro, nem vieram a pé ou no carro dos pais. A vida das crianças e jovens circunscreveu-se entre o quarto e a sala, dando uma volta até à cozinha. Foram assim estes meses. O acesso digital é interessante, imediato, de grande gratificação, com reduzido controlo social ou parental para a maioria dos jovens e, por isso, escolhido para passarem várias horas. Alguns estudos indicam tempos máximos de exposição a ecrãs: até aos dois anos não é aceitável tempo algum; entre os 2 e os 3 anos será aceitável até 30 minutos; entre os 3 e aos 5 anos até uma hora e entre os 6 e aos 12 anos até duas horas. Podemos inferir que quando se consegue fazer cumprir estes limites na infância, mais facilmente um jovem adolescente irá aceitar limitações ao seu tempo perante um ecrã. Parece difícil começar a estabelecer limites, deste e de outros tipos, na adolescência. As regras e os limites são uma construção familiar, evolutiva, adaptada a cada fase do desenvolvimento. Isto tem de estar presente no pensamento de qualquer pai e de qualquer mãe. Sabemos que por cada hora que uma criança passa em frente ao ecrã perde cerca de 50 minutos de interação com os pais. No caso dos adolescentes, a panóplia de interesses é mais vasta e a perda de atividades e ações será maior quanto mais o tempo passado em frente aos ecrãs.
Assim, cabe sempre aos pais e aos cuidadores/educadores a tarefa de limitar o tempo de utilização das tecnologias, pois proibir não parece ser uma boa solução. Há que estabelecer um horário que alterne com outras atividades de contacto social e com os pares, de lazer, de contacto com familiares e com a natureza, por exemplo.

Na minha opinião, devemos conseguir manter a proximidade com os jovens que nos permitam sermos ouvidos por eles, em momentos difíceis como será o regresso à escola presencial. Devemos contribuir para a consciência de que o ensino online, assim como o aumento do tempo de exposição a ecrãs foi um tempo de exceção. Com a saída de casa, com o regresso ao espaço escolar, com o contacto com os amigos prevê-se um regresso à “normalidade”, às rotinas estruturantes, ao intercalar entre tempo de lazer e tempo de estudo, entre as atividades escolares e as extraescolares, mas sobretudo, prevê-se uma necessária redução do tempo passado em frente aos ecrãs. Se tal não acontecer teremos sinais de alarme: redução do rendimento escolar com dificuldades de concentração, sono irregular e má higiene do sono, baixa resistência à frustração, impulsividade, agressividade, isolamento social, evitamento do tempo em família e, a longo prazo, poderemos ter configurações comportamentais e emocionais de dependência de ecrãs, perturbações ansiosas e/ou depressivas.

Rita Diogo ( psicologa )