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BAIÃO CANAL - Jornal

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Sobre ser Mulher (em pandemia) | Rita Diogo

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Esta pequena crónica é dedicada a todas as mulheres da minha vida, em particular às minhas filhas. Tenho duas filhas, de 14 e 18 anos, que levam muito a sério as questões da igualdade entre homens e mulheres, percebendo o quanto este conceito emana da liberdade e da não descriminação. Entendem que esta igualdade significa aceitar e valorizar de igual modo as diferenças de mulheres e de homens e os vários papéis que desempenham na sociedade. O caminho que fizermos será aquele que lhes permitirá, a elas e todas as raparigas e mulheres, serem livres de desenvolver as suas aptidões pessoais, de prosseguir as suas carreiras e de fazer as suas escolhas sem limitações impostas por estereótipos, preconceitos e conceções rígidas dos papeis sociais atribuídos a homens e mulheres. A igualdade entre mulheres e homens é considerada uma questão de Direitos Humanos e uma condição de justiça social, necessária para que as sociedades se tornem mais modernas e mais equitativas. É, por isto, um requisito para o desenvolvimento e uma condição para o exercício efetivo e pleno da cidadania. Infelizmente, a desigualdade existe, por isso prosseguimos num caminho de luta.

Celebrar o dia 8 de março é celebrar os direitos que as mulheres conquistaram até agora, mas também relembrar que ainda há muito por fazer. Causas como o direito ao voto, igualdade salarial, maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física ou psicológica, ou ainda o acesso à educação continuam atuais.

A pandemia e a crise que se instalou colocou a nu as desigualdades e as injustiças sociais existentes quando se mede a sociedade em função do género, idade, religião ou orientação sexual. De facto, a pandemia está a aumentar as desigualdades e o impacto no mercado de trabalho afeta mais as mulheres.

As mulheres representam três quartos dos profissionais de saúde e outros três quartos dos profissionais de apoio social, setores fundamentais no combate à pandemia. Sou psicóloga, sendo a psicologia uma profissão maioritariamente composta por mulheres. Trabalho numa unidade de saúde com um homem e cinco mulheres. Apesar disto, o trabalho das mulheres continua a ser menos reconhecido, a diferença salarial continua a ser, em alguns casos, baseada no género. São também as mulheres que mais auferem apenas o salário mínimo e as que se encontram com vínculos laborais mais precários. Salários mais baixos, têm ainda como consequência prestações de proteção social e pensões mais baixas, condenando muitas mulheres a um maior risco de pobreza.

Para além desta diferença no trabalho formal, as mulheres são as que gastam mais tempo com o trabalho doméstico e com os cuidados à família, acumulando o trabalho formal com este trabalho invisível e não remunerado. O teletrabalho e o encerramento das escolas e das estruturas de apoio têm um impacto negativo nas mulheres porque elas são, na sua maioria as cuidadoras principais, quer dos mais novos quer dos mais velhos, traduzindo-se numa maior carga: mais cansaço, maior dificuldade em conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar, logo, menor produtividade. Recordemos ainda que mais de 80% das famílias monoparentais são compostas por mulheres.

Sabemos também que a pandemia reforçou uma outra pandemia, a violência doméstica, em que cerca de 80% das vítimas são mulheres. A pandemia não só agudizou os casos de violência doméstica já existentes, como despoletou novas situações, consequência dos períodos de confinamento que forçam a convivência permanente das vítimas com os agressores, com maior dificuldade de denúncia.

As violações de direitos, as desigualdades e a violência contra as mulheres são várias, complexas, distintas e tantas vezes invisíveis. Por tudo isto, é tão importante continuar a marcar datas como o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Por tudo isto, continua a ser fundamental combater toda e qualquer forma de discriminação, desigualdade, desrespeito, violência contra as mulheres.

Rita Diogo, 

Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
Cédula Profissional: 1494 (OPP)
 
 
 
 
 
 
 

PÃO E ROSAS | Natércia Teixeira

 

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Enquanto marchamos, marchamos, na beleza do dia,

Um milhão de cozinhas negras, um milhar de moinhos cinzentos,
São tocados por toda a luz revelada por um sol repentino
Porque as pessoas nos ouvem cantar: Pão e Rosas! Pão e Rosas!

Enquanto marchamos, marchamos, lutamos também pelos homens,
Porque eles são as mulheres e são as crianças e são os nossos filhos outra vez
As nossas vidas não devem ser suadas desde o nascimento até ao fim
Os corações morrem de fome como os corpos; dai-nos pão, mas dai-nos rosas

Enquanto marchamos, marchamos, inúmeras mulheres morrem
Gritam através das nossas canções, o seu antigo chamamento pelo pão
É a pequena arte e amor e beleza que os seus espíritos macerados conhecem
Sim, é pelo pão que lutamos, mas lutamos igualmente pelas rosas

Enquanto marchamos, marchamos, trazemos os grandes dias,
O erguer das mulheres significa o erguer da raça.
Não mais o moinho e o tensor, os dez que labutam por um que repousa
Mas uma partilha das glórias da vida: pão e rosas, pão e rosas.

As nossas vidas não devem ser suadas desde o nascimento até ao fim
Os corações morrem de fome como os corpos; dai-nos pão, mas dai-nos rosas

James Oppenheim

Hoje dia 8 de Março, dia Internacional da Mulher, divulga-se a história mais conhecida sobre a origem desta comemoração, uma narrativa sobre um grupo de operárias, cerca de cento e trinta mulheres, vítimas de um incendio intencional numa fábrica têxtil.

Decorria o ano de 1857 e pelo que consta, o crime foi premeditado pelos patrões com a conivência dapolíciae terá ocorrido em retaliação a manifestações e reivindicações das operárias porcondições dignas de trabalho.

Na época, episódios de rebelião de trabalhadoras fabris, motivados pelo descontentamento generalizado, eclodiam numa sociedade alicerçada no capitalismo industrial, estruturado na subordinação e exploração feminina, com fronteiras próximas à escravatura.

Mulheres, sem estatuto e sem direitos que sustentavam com suor, lágrimas e não raras vezes com a vida um sistema económico, político e social assente no patriarcado.

A luta dessas Mulheres, que não desvincula a batalha por direitos básicos dasoperárias por melhores salários, redução dos horários abusivos de trabalho, autorizações básicas para idas à casa de banho; tem, no entanto, contornos de lutas muito mais profundas, motivos e objetivos superlativamente importantes.

A Revolução das Trabalhadoras, que se organizaram na reivindicação de direitos fundamentais, culminava num primeiro e principal objetivo: promover o direito ao voto feminino, um passo decisivo para se alcançar um sistema mais igualitário.

Estruturadas, apoiadas e suportadas por correntes vanguardistas revolucionárias lutavam também por direitos civis (divórcio p. ex) e direitos sociais (greve, equidade salarial entre outros).

Foram precisos muitos anos de duras batalhas em que muitas foram mortas, agredidas e vilipendiadas por acreditarem que seria possível um mundo mais justo, um mundo onde o género fosse apenas uma diferença, não um motivo de discriminação.

Foi graças a essas Mulheres sem medo que hoje podemos escolher o nosso destino e são respeitados princípios elementares de liberdade e igualdade, tais como votar, estudar, guiar um carro, viajar…sair do país sem autorização do pai ou marido, terminar um casamento, usufruir de um salário igual para o mesmo trabalho.

Duvido que Mulheres dessas se comovessem com comemorações mais ou menos patéticas e homenagens hipócritas com hora marcada.

Acredito que o seu propósito fosse tão simples, quanto parece ser difícil alcança-lo:

Respeito.

Respeito pela Vida.

Respeito pelo Ser Humano.

Respeito pela diferença intrínseca de ser-se Mulher.

No dia em que esse Respeito for pleno, no dia em que nenhuma Mulher sentir que precisa ter medo pelo facto de Ser Mulher…nesse dia não haverá mais lutas a serem travadas.

Até lá cabe-nos mostrar ao mundo e aos nossos parceiros homens que conseguimos engolir o medo, ultrapassar séculos de preconceitos que muitos ainda carregam, nos genes e na alma.

Que conseguimos ganhar o próprio pão e comprar as nossas rosas;

Que somos metade do mundo.

Que não existimos para caminhar um passo atrás de ninguém.

Portanto hoje…

Hoje, não quero rosas, quero Respeito.

Hoje não quero ser lembrada, quero nunca precisar de esquecer discriminações.

Hoje não quero que seja mais uma data, quero que seja menos um dia para a mudança de mentalidades e comportamentos que se impõe.

Hoje…lembro todas as minhas ancestrais que lutaram, mesmo com medo e homenageio-as porque sonharam que a nossa existência pode ser uma partilha das glórias da Vida.

Natércia Teixeira

 

 

MARIA ODETE SOUTO | 8 de março, dia Internacional da Mulher

Maria Odete Souto

Como é sabido, o dia 8 de março comemora-seo Dia Internacional da Mulher. Mas porquê um dia de… se cada volta ao sol demora 365 dias e 6 horas, isto é um ano?

Vamos a um pouco da História. Já nos finais do séc. XIX, nos EUA e na Europa, alguns movimentos feministas se iam erguendo, sobretudo no seio das mulheres operárias que chegavam a ter jornas diárias de trabalho 15 /16 horas, reivindicando igualdade de direitos.

No entanto, o Dia Mundial da Mulher terá sido celebrado, pela primeira vez, nos Estados Unidos, em 1908, quando cerca de 1500 mulheres operárias saíram à rua, em manifestação e luta pela igualdade laboral, económica e política.

Diz-se, também, que em 1911, numa fábrica têxtil de Nova York, 130 mulheres morreram carbonizadas e que este facto terá sido determinante das lutas feministas. Este episódio é real, mas aconteceu a 25 de março desse ano.

Todavia, foi preciso chegar a 1945, já no final da segunda Guerra Mundial, para ser assinado, pela ONU, o primeiro acordo internacional, em que os princípios de igualdade entre homens e mulheres estão vertidos em texto e, já muito mais tarde, em 1975, o dia 8 de março passa a ser reconhecido pela ONU, como o dia Internacional da Mulher.

Sou avessa, aos dias de… porque, como atrás referi, todos os dias do ano são dias de trabalhar para o bem comum, para fazer valer os direitos humanos, sejam eles os das mulheres, os dos homens, os das crianças…

E é angustiante pensarmos que no séc. XXI a luta pelo respeito pelos direitos humanos e, neste caso concreto das mulheres, façam ainda sentido. Mas faz. E faz porque a igualdade de oportunidades e de direitos não está minimamente assegurada, porque as mentalidades são as coisas mais difíceis de mudare carregam uma carga histórica imensa. São geracionais.

Saiu recentemente um estudo que nos mostra o quanto recai o cumprimento das tarefas domésticas na mulher e o desgaste que isto provoca. Não há uma cultura de partilha. E desengane-se quem pensa que isto é um problema dos homens. Não, não é. É cultural e afeta de igual forma, homens e mulheres. Elas porque foram educadas para serem excelentes donas de casa, para além da sua vida profissional. Eles, porque mesmo quando já tendo evoluído um pouco mais, acham que ajudam as mulheres. Logo, está implícito que são deveres que não têm. Claro que em tudo isto há honrosas exceções.

Por outro lado, quando vemos e ouvimos algumas mulheres, mesmo de formação académica superior, a falar de dinâmicas familiares, de deveres de parentalidade, etc. não muito raro se assiste a responsabilizar mais a mulher pela educação e por qualquer falha que possa existir, muitas vezes, com julgamentos quase insultuosos. E estas, se lhe perguntarem se se estão a ver a um espelho, estala-se-lhes todo o verniz.

Vemos estas diferenças, desde o primeiro momento, quando se prepara a chegada de um novo rebento. O momento em que se sabe o sexo da criança, determina a cor do enxoval e, continua com os brinquedos para meninos e para meninas, sendo que elas terão, bonecas, panelinhas e afins, enquanto eles terão carros, motas, armas… estamos na gramática dos papéis sociais que lhes são atribuídos e que vão determinando desigualdades gritantes.

A afirmação dos direitos das Mulheres e dos feminismos nunca deve seguir e cometer os mesmos erros do machismo. Deve ser uma luta libertadora, até das suas próprias amarras.

Por tudo isto, faz sentido que todos os dias sejam dias de refletir e de batalhar pela igualdade de direitos, pelo respeito e pela partilha da vida, em tudo o que ela tem de bom, menos bom e mau. Que o dia 8 de março, dia Internacional da Mulher, seja mais um desses dias.

Termino esta crónica com uma nota de esperança. Parafraseando o poeta António Machado, “faz-se o caminho a andar”. E tem sido feito algum caminho.

Viva o Dia Internacional da Mulher! Vivam todas as mulheres e todos os homens que as sabem respeitar como seres diferentes, mas seus pares iguais e que fazem da vida uma caminhada livre e partilhada.

 

Maria Odete Souto