Maio - aí está o mês de maio.
O meu tempo de nascer de novo em cada ano que passa. O tempo de recordar as Mães que me deram colo, as Marias com quem partilhei a vida e o perfume forte das maias.
Aí está maio, perfumado, atrevido, vaidoso e convencido que é o mais bonito de todos os irmãos. E foi. Foi lindo esse maio primeiro que uniu as vozes deste povo nas praças, sem bandeiras e de corpo inteiro num sonho de liberdade.
Foi lindo o 1º primeiro de maio, quando todos sorriam a todos e todos fomos um só.
Foi lindo esse tempo de esperança , esse dia de sol… já lá vão 47 anos e parece que foi ontem...
Foi lindo. Maio foi lindo!
Maias- ei-las, as maias.
As maias de amarelas flores que enchem o norte de cor e fazem inveja às papoilas vermelhas do Alentejo.
Gosto do seu perfume forte, mesmo forte, sem meias medidas nem meias tintas, à nossa moda.
Gosto da sua forma arredondada parecendo contas dum rosário onde se reza pela mãe natureza, pela primavera sempre em festa, pela fertilização das terras que serão o celeiro do povo que respeita o seu chão e acredita no seu céu.
Mãe – aí está o mês da minha mãe. O meu, o seu, o nosso mês, minha mãe.
Hoje, neste ano, apesar dos meus 71 anos e dos seus 101(os últimos 6 festejados lá longe...), ainda sei que sou a sua CATRAIA a mais nova, a que lhe copiou o rosto e os gestos, a luta e a vontade de estar e morrer de pé.
Mulher Livre e Verdadeira até ao fim; certa nos passos e certeira nos tiros que teve de dar para viver em paz com a alma inquieta que tem.
Mãe, a minha mãe que no Hospital de Santo António, recusou um tratamento que lhe daria mais e melhor vida mas que a privava de falar durante cerca de sete horas diárias.
Disse ao médico que rejeitava aquele aparelho porque queria morrer em liberdade...sem açaimes Chamadas as filhas, apenas nos informaram que tanta inteligência e tanta lucidez proibiam o médico de usar tal tratamento e não permitia que as filhas fossem suas tutoras. Morreria mais cedo, mas livre porque era essa a sua vontade.E cumpriu-se a sua vontade.
A minha mãe lutadora até ao fim.Uma das pessoas de quem me orgulho muito.
Como deve estar sorrindo o meu pai, e repetindo para os seus vizinhos de “habitação” que realmente ela foi a mulher mais linda que ele conheceu.
Obrigada minha mãe. Amo-a muito mas ainda tenho vergonha de lhe dizer isto assim…olhos nos olhos...nós que temos as duas os OLHOS COR DA ESPERANÇA...
Esses olhos cor de mar que as bisnetas reclamam como herança. Como tenho saudades deles cheios de lágrimas quando me dizia que amava MUITO os netos e tinha muito medo de morrer.
Depois quando eu lhe perguntava: e as suas filhas minha mãe? Dizia-me com um sorriso de escárnio que "essas saíram "mal amanhadas, coitaditas"
AI MINHA MÃE COMO EU A ENTENDO...OS NETOS SÃO OUTRA LOUÇA...SÃO VISTA ALEGRE COM CERTIFICADO E TUDO...
Marias - o mês das Marias mulheres, mães e amantes. Das Marias cristãs e das outras que nunca aprenderam a escrever o nome do homem que “enganou” uma outra Maria e partiu, silenciosa e cobardemente.
Maria de Jesus Loureiro, a velha MIQUINHAS, a minha velha ama, a mulher que sempre desafiou a autoridade da minha mãe, quando me deixava sujar na relva e na terra do quintal ou me mandava dar uma mijadela trás das dálias, “sem a tua mãe ver, para ela não ralhar uma tarde inteira”, segredos guardados como se " A NOSSA PATROA" fosse uma madrasta velhaca...
A companheira de um homem enlouquecido pelos gazes da 1ª guerra mundial, empregada na casa dos meus pais,meu anjo protetor nas horas de guerra maternal, senhora do seu nariz quando a julgavam pela sua humilde condição financeira, mulher com todas as letras da palavra coragem e também carrejona de serviço de muitas oficinas da rua do Bonfim, transportando fardos enormes à cabeça para a estação de Campanhã ou para as carreiras de Braga para ganhar mais uns tostões que pagassem a renda da casita que habitava numa ilha que tinha o nome do sua cruz: A “Ilha” do Esgazeado.
Maria, a nossa Miquinhas, que arregalava os olhos de alegria sempre que lhe cheirava a meia sêmea com fígado de cebolada empurrada por uma pinga verde branco fresquinho, na hora do lanche.
Maria,a Miquinhas do senhor Amadeu Esgazeado – a mulher pequenina de corpo mas de enorme alma que não gostava de usar cuecas porque era moda das senhorecas e o seu pássaro não era de gaiola…era livre! A mesma Maria que se recusou morrer, no Hospital de Santo António, antes nascer o meu filho.
Queria vê-lo, pegar-lhe ao colo e saber que ele ia dizer o nome dela, um dia qualquer!
Maria, a mulher que nunca deixou vago o canto aconchegado que conquistou no meu coração.
Um xi apertadinho para as minhas MARIAS que hoje, lá longe juntas vão recordar as nossas chaladices e o amor que nos une.
Maias, Mãe e Marias.
MAIO - mês de maravilhosas memórias…o mês que é também o MEU MÊS DE RENASCER.