Os tempos são sempre complexos e as dificuldades aguçam o engenho. Era assim, mas ventos de mudança trazem novos desafios cada vez mais complexos.
O Presidente da Liga de Futebol, Pedro Proença, alertou para os riscos do jogo do título que o Sporting venceu. Sugeriu medidas adequadas (adeptos no estádio com distanciamento adequado e uso de máscara) em oposição aos festejos sem controlo na via pública. O Secretário de Estado da Juventude e Desporto voltou a revelar total desconhecimento do universo do futebol e disse, nada dizendo, esperando não sabe o quê… Quem tem de assumir as culpas e desaparece em silêncio, acaba por ser cúmplice por incompetência. Deveria ser demitido, juntamente com outros governantes que insultam nas redes sociais programas de televisão que “destapam a careca” e ministros que afirmam algo e com o tempo o seu contrário. Lisboa é realmente outro mundo, por isso, repito, deveria ser um microestado autónomo e Portugal recuperava a sua independência com grandes oportunidades para um desenvolvimento integrado, sem o despesismo da capital e dos sucessivos governos que acabam por ser trampolins para outros voos posteriores.
No final do jogo Sporting-Boavista, aconteceu na via pública o que se temia, segundo a comunicação social: violência, destruição, a PSP teve de disparar balas de borracha, para tentar impedir arremessos de garrafas de vidro, de tochas, petardos e fogo-de-artifício para o outro lado do gradeamento, onde estavam a polícia, os bombeiros e os jornalistas. Ilegalidades que deveriam merecer antecipação musculada. Os celebrantes não cumpriram distanciamento social nem muitos tinham a máscara obrigatória. Alguns adeptos chegaram mesmo a sofrer ferimentos, tendo recebido prontamente assistência dos bombeiros, enquanto a multidão colocada nessa zona fugia à intervenção policial. O que vai fazer o governo? Certamente não tem certezas e apenas muitas dúvidas, como tem sido usual desde o início...
O futebol pode ser uma via de aprendizagem única. Vejamos: o “mister”, durante os treinos, com conhecimento dos adversários, define uma estratégia, uma dinâmica e uma organização coletiva com a qual pretende surpreender o adversário. Para além disso, em todos os momentos, procura aperfeiçoar qualidades e reduzir defeitos, envolvendo todos numa missão única: tentar vencer. Há quem tenha melhores jogadores e mesmo assim não consegue superar uma equipa, com jogadores de menor valia, mas com uma identidade reforçada em que todos são um só. Por outro lado, sem a proximidade televisiva, reduzem-se as simulações para mais tarde ver nas repetições em vários canais. Fica a impressão de que só existe um campeonato e pouco mais. Mas assim não é. São muitos milhares de jogadores e muitas centenas de equipas que todas as semanas se entregam ao serviço público voluntário de cumprir as estratégias e a tentar superação constante: não há lugar para desistentes. O movimento associativo (desportivo, social, etc.) é um suporte essencial da democracia que deveria ter maior importância e melhores apoios. Os excessos de festejos dos adeptos são praga relativamente recente e fica a ideia de que, em alguns casos como recentemente em Alvalade e nas ruas de Lisboa, os adeptos se tornaram o centro e a equipaum simples conjunto de funcionários ao serviço da massa associativa. Convido quem anda mais afastado, para verem um jogo dos distritais ou do Campeonato de Portugal. E aqueles jogos que nos encantavam em miúdos, alguns também com zaragatas que a GNR e a PSP resolviam de imediato, e a maior parte das vezes terminando nuns festejos dos bares muito simples, dos campos de futebol onde o pelado exigia competência com o controlo da bola. Com o tempo veio a certificação dos clubes, várias iniciativas promocionais (em inglês, claro) sem grande utilidade para além da valorização da imagem de protagonistas que não calçam chuteiras, as regras das grandes ligas internacionais, os padrões que as televisões revelam e num momento tudo se transforma: o adepto esquece onde está e passa a viver num mundo virtual onde se julga o protagonista essencial. Há até quem discuta com o televisor como se fosse ouvido do lado de lá (possível talvez daqui a uns anos). É esta alteração coletiva do paradigma que tornou o futebol-jogo-arte-talento num espetáculo-negócio-indústria que visa o destaque social, os grandes investimentos sem cobertura garantida, assim como uns dribles com a colocação de milhões nos espaços menos acessíveis e só com desmarcações sem vestígios. Antes de ser profissional e com idade de júnior, joguei nos seniores do Sport Progresso e, aqueles enormes jogadores que admirávamos ao longe, passaram a ser amigos, conselheiros e nos ensinaram para sempre como se respeita o futebol. Para além deles que ficaram amigos para sempre, conheci dirigentes com mais de 50 anos ao serviço do clube, de forma benévola, inventando sorteios de bolas, festas, angariações de fundos, que me davam a sensação de estar em família. Por isso, na hora da partida para outros horizontes, cada um à sua medida, deixava a prenda significativa que poderia oferecer. As rivalidades entre clubes acabaram por aumentar o número de amigos que ainda permanecem. No fundo, é tudo uma questão de respeito e humildade. Isso aprende-se em miúdo, sempre com uma bola debaixo do braço e um clube que aceita todos e não exclui nunca. Muitas vezes, adultos com pouca escolaridade mas com uma vasta experiência de coerência e sabedoria nos ajudavam a ficar mais fortes e a decidir com coragem e certeza. Mas aquelas primeiras chuteiras, calçadas com muitos pares de meias para encher o espaço e não se soltarem pelo ar, nunca serão esquecidas assim como a bola que só com muita coragem se conseguia cabecear. Uma palavra final para muitos árbitros que, nos intervalos, nos colocavam perguntas sobre as leis de jogo, para tentarmos acertar na resposta e ficar a saber algo mais.
Aníbal Styliano (Professor e comentador)