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BAIÃO CANAL - Jornal

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OS PEQUENOS TAMBÉM SÃO GRANDES | Aníbal Styliano | OS PEQUENOS TAMBÉM SÃO GRANDES (7) | Renascimentos sucessivos

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Com o avançar do tempo e após a criação e regulamentação das Ligas Profissionais, os problemas surgiram de imediato. Em vez de criar legislação com base na nossa realidade,adaptou-se o que outros fizeram. Houve países onde foi decidido um perdão fiscal aos clubes, para se poderem preparar para as exigências da nova legislação, mas nessa área, Portugal não fez o mesmo. Espanha e outros definiram princípios que tinham de ser cumpridos. Em Portugal, as adaptações às novas exigências, não permitiram perdão fiscal, aumentando as dificuldades. Eram exigidas garantias bancárias para assegurar compromissos salariais, média de espectadores nos estádios, espaços desportivos assegurados e outrosaspetos que não cumprimos. Por cá, as dívidas acumuladas não permitiram solidez económica e portanto, com as necessidades de reforço da capacidade competitiva, os clubes com menor capacidade finaceira, foram acumulando passivos que se tornaram invencíveis e que atingirama insolvência. Por esse facto, sem a devida transição que permitisse a sustentabilidade, veio o caos. Para tentar controlar esse adversário, os clubes “refundaram-se” e tentaram recuperar. Não se conseguiu construir um consenso para a nossa realidade. Surgiu a SAD e a dicotomia clube/SAD que, em algunscasos, alterou completamente a herança acumulada em décadas,com perda sucessiva do património. Estádios vendidos ou hipotecados e descidas de divisão. Os clubes mais poderosos, mesmo com elevados passivos são sempre “marcas” com valor que permitemgerircontextos, com o mercado de transferências e as receitas das transmissões televisivas. Ainda tarda a gestão uniformizada das receitas televisivas (agora com promessa para o ainda longínquo 2027/28), os apoios extraordinários para situações de recurso, as receitas de bilheteira porque a pandemia do covid-19 impediu adeptos nos estádios.Por outro lado a FPF, em função dos títulos obtidos em provas internacionais, dos apoios estatais e mesmo da UEFA e da FIFA, vive uma situação desafogada e confortável. A maior parte dos clubes luta para sobreviver, o que se torna um paradoxo.

Há vários anos, os clubes tinham equipas de várias categorias seniores (da primeira à quarta categoria). Surgiram depois as camadas jovens, com jogos que se disputavam aos domingos de manhã e os de seniores (independentemente da divisão) jogavam-se nas tardes de domingo. Transmissões televisivas eram raras e sempre à noite para não prejudicar o futebol no seu todo. Grupos de adeptos mobilizavam-se para acompanhar sempre as suas equipas. O futebol envolvia a economia do país, em cada domingo. Na Associação de Futebol do Porto, por iniciativa do Presidente Edison de Magalhães (ex-Presidente do Leixões SC) criaram-se campeonatos de amadores,destinados a clubes que não possuíam campos próprios e que aos sábados participavam em campeonatos específicos. Tempos de crescimento do número de jogadores e de clubes. Depois veio o novo tempo, que privilegia lucros e desinveste nos apoios aos dirigentes benévolos. Após décadas, a tendência foi a redução de clubes, porque os encargos económicos se tornaram barreiras impossíveis de ultrapassar. Inscrever uma equipa sénior no distrital são milhares de euros que só por milagres anuais se conseguem concretizar.

Alguns clubes foram considerados insolventes e extintos: as despesas aumentavamcom “taxas e taxinhas” e os lucros inexistentes cavaram fosso profundo. Alguns renasceram com nome similar acompanhado de uma data ou uma pequena diferença nominal. Mas nunca mais se recuperaram os valores civilizacionais. As sedes dos clubes serviam, nos meios mais carenciados, como sala de visitas ou salão de festas ao dispor da comunidade: aniversários, casamentos e muito mais. O movimento associativo, por dedicação e muitas horas de entrega, tornou-se uma escola de cidadania. Os tempos mudam, e hoje temos um futebol concentrado nos clubes mais poderosos, cativando adeptos em muitos países. Raros são os que ainda mantêm a proximidade como prioridade.O Sport Comércio e Salgueiros é um bom exemplo. Depois de morte anunciada, a “Alma” porque imortal, reconstruiu o clube, com tradição e plano estratégico de crescimento progressivo, sem dar passos maiores do que a perna. Assim se construíram universos diferenciados: os que envolvem muitos milhões e concentram, diariamente, o negócio das transmissões televisivas e apostas desportivas no centro do jogo; e ainda os que conseguem preservar o futebol e outras modalidades, com a mística que os menos jovens continuam a transmitir. Vivemos um tempo em que as televisões só libertam espaço para os gigantes do futebolinternacional, para os salários e negócios das mil e uma noites.E as crianças mais pequenas, qual o seu lugar: aprender a ser espectador dos grandes talentos distantes ou aprender a jogar em equipa, construindo amizades, sem fundamentalismos?

Claro que mediatização embeleza, atrai, vicia e cria sonhos impossíveis. No entanto, há clubes que todos os dias inventam espaços, estratégias e movimentam jovens para cumprir um sonho fantástico: jogar futebol. Aí reside a escolha: ser só adepto e espectador, ou ir mais além e praticar atividade desportiva. Os quesabem para onde ir e com quem, esses são os Grandes porque nunca desistem.

Aníbal Styliano (Professor e Comentador)