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BAIÃO CANAL - Jornal

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DUAS DE LETRA | Lourdes dos Anjos | Os pregões da cidade (c/ vídeo)

Lourdes dos Anjos

Nasci na cidade do Porto, na Rua do Bonfim, pertinho do Campo 24 de Agosto.
Ali, onde a cidade fervilhava pela madrugada entre a Arca de Mijavelhas e a estação de Campanhã. Entre a igreja do Bonfim e o edifício da PIDE, na rua do Heroísmo. 
Ali, onde as casas burguesas enchiam as ruas dando-lhes a nobreza com que a cidade se vestia.
Ali, onde as fábricas "apuravam" os diferentes sotaques dos operários que iam "cozinhando" as ilhas onde a vida se fazia em espaços demasiado pequenos para tanto sonho de futuro e felicidade e onde morava tanta saudade da aldeia que ficou para trás escondida entre as serras onde os rios nascem.
À procura de pão menos azedo, andavam as mulheres e os homens que, de rua em rua, vendiam os produtos que as gentes da cidade compravam. Essa cidade onde sonharam encontrar a porta de entrada para um país novo.
Eram as galinheiras,as farrapeiras, as peixeiras, as carquejeiras que apregoavam e provocavam o polícia e a senhora fina que, da varanda, lhes fazia perguntas esquisitas... 
Eram os cauteleiros, os vendedores de gravatas, os amoladores, os castanheiros, os engraxadores, os ardinas e os guarda-soleiros.
Eram POVO que largava pedaços de sotaque e alma nos céus da minha cidade
E a menina mais nova do senhor Armindo "filmava " todas as imagens e gravava as vozes e depois enchia o quintal da casa com os sons e os gestos desta gente que tanto a apaixonava.
Entre uma e outra cena aparecia a voz maternal:"deixa-te de artistices e vai estudar rapariga.Ainda levas uma coça que tu vês".
Depois com olhar sereno aparecia o pai: "a tua mãe vai-te chegar a roupa ao pêlo e depois deixas-te dessas palermices minha filha".
E a vida continuava igual em cada manhã e a catraia tripeira também...
Guardei, durante muitos anos, rostos e vozes e imagens de gente que foi o meu encanto de menina.
Depois perdi a vergonha e cumpri um sonho de vestir a alma de mulher do PORTO e aí estão as vozes da minha cidade.
Peço desculpa aos meus PAIS pela desobediência, mas eles sabem que sempre remei contra a maré para conseguir realizar alguns sonhos ...
Orgulho-me das minhas raízes de milho e moliço, mas a minha alma é VERDADEIRAMENTE TRIPEIRA

Aí ficam os PREGÕES da GENTE com quem me fiz gente na rua onde nasci em 1950.

 

SOCIEDADE E CULTURA | Histórias avulso | Jaime Froufe Andrade

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(A pandemia pôs-nos à espera do futuro. Parados pelo vírus, talvez seja tempo para percebermos o que deixámos para trás. É essa a proposta de Histórias avulso)

A senhora de Alganhafres

Estamos em 1974. O 25 de Abril esturge. Minuto a minuto, chegam notícias de todo o país à Redacção de “O Primeiro de Janeiro”. De todo o país? Escassas são as de Trás-os-Montes. Isso causa-me estranheza.

Ligado a essa província por laços de família, quis ir até lá. O chefe é que não estava de acordo. Não se justificava uma reportagem. Mas fui. Meti uma semana de férias, e por lá andei uns dias. Pude então verificar: de facto, sinais do 25 de Abril quase só nas cidades e nas vilas. O chefe tinha razão.

O povo das aldeias consumia-se na labuta diária. Não dava para mais. Naquele tempo, por ali trabalhava-se de sol a sol, numa agricultura de subsistência. A guerra colonial e o salto - a emigração clandestina - levara os mais novos.

A busca leva-me a atravessar vários concelhos. Chego a Seixo de Ansiães, no distrito de Bragança. Uma cruz de pedra ao ar livre atrai-me a atenção. Tudo por causa de uma pichagem ainda fresca. Alguém insubmisso pintara a vermelho, na peanha do cruzeiro, uma palavra de ordem: Fascismo nunca mais. Esse grito silencioso mexeu comigo. Era indício seguro de que, afinal, o 25 de Abril já andava por ali.

Atrás da reportagem, chego a Alganhafres, também no distrito de Bragança. Sem ver vivalma, percorro a pé caminhos estreitos, medievais. Acabo por encontrar uma anciã. Vejo-a sentada nas escadas de pedra rústica de uma casa de loja e primeiro andar. O seu lenço e chaile negros irradiam, em torno de si, um luto pesado.

A velha senhora estranha a minha presença. Eu, um desconhecido com o cabelo em desalinho. Cautelosa, pergunta-me se venho do degredo. Sossego-a revelando-lhe as minhas raízes. Cito nomes de famílias da região, apelidos e alcunhas que sei de cor de tanto os ouvir à minha avó transmontana. Ela solta-se, mostra-se pronta para a conversa. Aproveita para mitigar a solidão.

Mostra-me, sem o exibir, os seus conhecimentos sobre as leis que regulam a natureza, os bichos e as plantas. Fala-me da chuva que tarda em chegar.

Antecipa-me, com assinalável detalhe, os danos que irão sofrer as culturas se não chover brevemente. E também os malefícios se cair dos céus água em demasia. Olha em determinada direcção, aponta um dedo, diz: «É dali que ela virá». Fala-me de realidades ligadas ao sol, à água, à terra, ao ar e ao arejo que são coisas diferentes. Mas eu disso não entendo. Acabo por mudar a agulha da conversa.

A situação inverte-se, Sobre o que se está a passar em Portugal a velha senhora nada sabe. O regedor passara por ali há dias e contara-lhe qualquer coisa. Mas confessa não ter entendido. Ri-se como forma de desculpa.

A campanha de dinamização do MFA não tinha ainda saído dos quartéis. À minha moda, fiz eu próprio uma improvisada sessão de esclarecimento. Dei o meu melhor, juro. Mas falhei. Não consegui suscitar naquela cidadã o mínimo interesse ou curiosidade pelo 25 de Abril. «Eu disso não entendo», reconhece em tom humilde. Assim se explicou a senhora de Alganhafres. Explicou-se a um ignorante que também não entende aquilo em que ela é sábia.

(“A gente não lê”, letra-poema de Carlos Tê, (*) revela de forma exímia o universo desta anciã. Outro documento precioso que explica também esta e todas as outras velhas camponesas de Portugal é a “Carta para Josefa, minha avó”, de José Saramago. (**)

(*) A Gente Não Lê

(**)  Carta para Josefa, minha avó

froufe.andrade@gmail.com 

Jaime Froufe Andrade (jornalista/escritor)

 

 

 

 

 

 

 

EDUCAÇÃO | A escola de emergência | Maria Odete Souto

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Uma semana após o reinício das atividades letivas, num ensino a distância, trago à liça algumas questões que me parecem pertinentes.

Não vou discutir aqui, se se deve chamar de ensino a distância ou à distância, questão que tem ocupado muitos teóricos e muitos investigadores, mas que não me parece ser importante para os assuntos que pretendo trazer à reflexão.

Como penso que é do conhecimento público, as escolas antes do início do ano letivo, tiveram que preparar três cenários possíveis: o ensino presencial, o ensino misto, para as situações em que houvesse alunos em isolamento profilático, e o ensino a distância, para a eventualidade de novo confinamento. E, portanto, as escolas estavam, deste ponto de vista, preparadas.

Também é verdade que, da experiência tida no ano transato, muitos professores e muitas professoras, fizeram imensa formação ao nível do uso das novas tecnologias na educação e investiram imenso em equipamentos para poder responder, de forma capaz, num cenário de possível confinamento.

De referir que, na sua maioria, os professores e as professoras têm filhos/as em idade escolar e, portanto, impunha-se haver equipamentos que chegassem para todos e todas. Ou não. É que a classe docente não é propriamente bem remunerada e não tem qualquer benefício e/ou apoio. E o orçamento doméstico não estica. A aquisição de computadores, mesas digitalizadores, câmaras e afins, nem sempre estão ao alcance de todas as famílias, mesmo da classe docente.

Colocou-se e coloca-se o atraso na aquisição dos computadores, por parte da tutela, para cedência aos alunos e às alunas beneficiários da ação social escolar. No entanto, as escolas, em articulação com as autarquias, acabaram por resolver e, também por aqui, a coisa parece sanar-se sem grandes problemas.

Os problemas maiores são de outra índole e afetam alunos/as e professores/as.

Por um lado, a cobertura de rede de internet não chega a todo lado. E isto é muito mais gritante nas regiões do interior. Mesmo nas zonas em que há cobertura, a velocidade contratada não é garantida e, em muitas situações está constantemente a cair. Trabalhar nestas circunstâncias é desesperante, aprofunda as desigualdades e gera injustiça.

Por outro lado, a replicação do ensino presencial no ensino a distância que tende a ser feita é um erro enorme. Desde logo, com o horário, porque manter, ligado a um ecrã de computador uma criança, um jovem ou mesmo um adulto, por quatro, cinco, seis e mais horas, é extremamente lesivo, quer para a saúde física quer para a saúde mental. E não aproveita a aprendizagem.

A resolução de tarefas, de fichas e de testes, por mais App que sejam usadas, não conduzem à reflexão, à pesquisa, à construção de conhecimento e, levado ao limite, pode conduzir ao desalento e à desistência, sobretudo daqueles e daquelas que menos se identificam com a escola e com os saberes escolares. Normalmente os alunos e as alunas do estrato social mais desfavorecido.

Por último, todos sabemos que as casas das pessoas não são a escola e nem os pais são professores dos seus filhos.

Assistimos às situações mais diversas e que nos deixam, enquanto professores/as, perplexos/as e extremamente angustiados/as: três e quatro crianças na mesma casa e em níveis de escolaridade diferentes; pais que acham que têm que ajudar ou resolver as tarefas escolares dos filhos; que se arvoram de pedagogos e acham que bom professor é aquele que “dá a matéria” em powerpoint, que agora está na moda, e que faz as fichas e dá as soluções, ou que se permitem assistir às aulas para ver se o professor dá as aulas em condições; e o cão e o gato que se assumem como “alunos atentos e interventivos”. Ou o aluno que, desesperadamente, quer falar com o professor e não tem privacidade para o fazer. Ou aqueles que estão em casa, entregues à sua sorte, porque os pais têm que trabalhar. E tantas, tantas situações que não são resolúveis nesta escola de emergência.

Por tudo isto, é urgente assumir que isto é o que é, mas não é escola e não cumpre os seus desígnios. É o possível.

É meu entendimento que, logo que possível, em termos de controlo pandémico, se deve retornar à escola e ao ensino presencial, parcial ou totalmente. Vejo, com bons olhos a possibilidade de subdivisão dos grupos/turma e do horário, passando a ser feito metade presencialmente e outra metade em trabalho autónomo, sob a supervisão do/a professor/a, por forma a diminuir a concentração de pessoas, quer nos transportes quer no espaço escolar. Mas presencial, porque nada o substituiu.

Parece-me, também, que do ponto de vista pedagógico a escola tem que caminhar para modelos ativos de aprendizagem ainda que mediados por tecnologias e em diferentes espaços. Cenários de aprendizagem por gamificação, aula invertida, pedagogia de projeto, tertúlias dialógicas são exemplos de caminhos possíveis que promovem a equidade contra a uniformização.

Impõe-se reinventar a escola, mesmo em tempos de pandemia.

Odete Souto (professora)

 

 

SAÚDE | Rita Diogo | Empatia com ou sem pandemia

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Empatia é o tema desta crónica. Com ou sem pandemia, a empatia é fundamental para que possamos cuidar uns dos outros.

Por definição e, consultando o dicionário, sabemos que a empatia é “Um nome feminino. Faculdade de compreender emocionalmente. Capacidade de se identificar com outra pessoa. A identificação emocional com o eu de outro. De em +grego páthos, “estado de alma” + ia.”. Tentemos, então, ir para lá da definição num qualquer dicionário. A empatia deve ser entendida com tendo duas componentes essenciais: a cognitiva que se relaciona com a capacidade de compreender a perspetiva das outras pessoas e a afetiva que se relaciona com a habilidade de experimentar reações emocionais por meio da observação da experiência dos outros. O estado de empatia consiste em perceber corretamente o quadro referencial interno do outro, com todos os significados e componentes emocionais que contém. Segundo Carl Rogers “Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos do outro”. A empatia consiste na capacidade de nos colocarmos, verdadeiramente, no lugar do outro, algo bem difícil de se conseguir, por sinal. A empatia implica, por exemplo, sentir a dor ou o prazer do outro, como ele sente, e perceber as suas causas como ele as percebe, porém, sem nunca perder de vista que se trata da dor ou do prazer do outro. Neste sentido, é diferente da compaixão na qual a pessoa acredita fazer parte daquela dor. Podemos dizer que a empatia se caracteriza pela tomada de perspetiva, ausência de julgamento, reconhecimento da emoção nos outros e capacidade de comunicar esse estado emocional.

A empatia permite-nos uma perspetiva diferente do que nos rodeia. Acontece tantas vezes subestimarmos ou julgarmos as outras pessoas mediante o nosso padrão de certo e errado, fácil e difícil, bonito e feio, grande e pequeno. Se tentarmos perceber o outro, talvez consigamos perceber melhor as razões dos comportamentos de quem nos rodeia e, dessa forma, criar uma relação mais aberta, de confiança e apoiante. A empatia melhora as relações interpessoais e aumenta o nível de satisfação. Nem sempre é fácil... Às vezes sentimos que estamos a fazer de tudo para perceber o outro, mas estamos demasiado presos aos nossos sentimentos, às nossas emoções e aos nossos quadros de referência pelos quais nos temos vindo a guiar a vida toda. Nem sempre o que vivemos intensamente e o que nos perturba é o mesmo que afeta quem nos rodeia. O momento que vivemos é um exemplo disto. Há diferentes formas de lidar com o confinamento, considerando que será tanto mais impactante quanto a maior estimulação que temos no dia a dia, podendo deixar-nos despidos perante nós mesmos. Há diferentes formas de “ler” os números que a comunicação social nos transmite, há quem os leia como números cegos, há quem os leia como pessoas e seres humanos por trás de cada número. Há diferentes formas de compreender as orientações transmitidas, dependendo dos nossos recursos emocionais e intelectuais, bem como o nosso conhecimento prévio e da nossa identificação com aquilo que nos é dito. Há diferentes formas de encarar a perda de amigos e familiares e a forma como nos despedimos (ou não) deles. Há diferentes formas de gerir o contágio, a infeção e a Covid19 na primeira pessoa. Isto não significa que o sofrimento seja maior ou menor. O problema em si tende a ser pouco relevante nas nossas vidas, o que é realmente importante é a forma como olhamos e lidamos com o problema.

Usamos máscara porque somos empáticos, mantemos distanciamento físico porque somos empáticos, cumprimos as orientações da Direção Geral de Saúde porque somos empáticos, cumprimos o confinamento porque somos empáticos. Não apenas porque somos empáticos, mas também!

Nem todos dispomos das mesmas ferramentas internas para enfrentar crises como a atual. Estamos cansados, exaustos. Quanto mais cansados estamos, mais impulsivos somos nas nossas tomadas de decisão e mais imprecisos somos na avaliação dos riscos para nós e para os outros. É esperado que possamos sentir medo, ansiedade, tristeza, angustia mas importa reconhecer o limite a partir dos quais se tornam patológicos. A empatia e o reconhecer este limite nos outros (para além da importância de o reconhecermos em nós mesmos) é o que nos move para a ajuda. Nenhuma sociedade poderá sobreviver sem empatia, o ser humano só chegou até aqui porque aprendeu a cooperar e a ajudar o outro sempre que necessário. Não esqueçamos também que, num mundo sem ética, seremos incapazes de sentir empatia.

MÚSICA | O Romantismo II | Manuel Cardoso (Paradela)

Paradela

Para falar sobre este tema, compreenderão que terei que tomar alguém como referência, alguém que seja a sua figura central, é aqui que entra para mim o maior vulto sem retirar a importância devida a outros contemporâneos distintos de  Ludwig van Beethoven.

Embora o meu distinto professor de história da música “Padre Joaquim Marques da Silva” considerasse que Beethoven era um caso isolado e que se enquadraria num movimento embora romântico, mas para além do romântico.

Conforme referi no meu artigo anterior sobre o romantismo, este movimento tinha como efeito de permitir a cada individuo tomar consciência da sua liberdade e da sua existência própria como individuo, ou seja o EU seria o centro do mundo.

Observa-se precisamente isto na Sinfonia Eroica ( 3ª) , que Hjoseph Haydn ao escutá-la dise A partir deste dia, tudo está mudado”. Ou n a Sonata ao Luar em que o autor manifesta o  desprezo pela linearidade, a angústia insistente, o abandono das então tradicionais estruturas formais. Desabrocham  na música de Beethoven o  que pode ser considerado um autêntico revolucionário, o porta-voz por excelência da Revolução Francesa e dos seu principios. Beethoven, portanto, ainda não é o compositor romântico por excelência, mas o inovador, o meio caminho andado, o abre-alas. Muito diferente daqueles que o sucederam, entre os quais Schumann e Chopin, para os quais,  a música é pura expressão individual.

Assim nesta época o imcomparável poder sugestivo da música, a sua capacidade de actuar sobre o espírito, (sem intermediários) e  de transmitir uma gama infinita de impressões e pensamentos (é a arte da sugestão), fizeram dela a arte ideal do romantismo.

 

Manuel Cardoso

 “Paradela”

PORQUE O AMOR DEVE ESTAR SEMPRE PRESENTE | Minda Araújo | Silêncio e tanta gente (video)

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14 de fevereiro, Dia dos Namorados.
O dia 14 de fevereiro, dia de S. Valentim é, também, em Portugal, dia dos namorados.
Nesta data, tendem-se a estreitar laços, a celebrar a vida, a fazer juras e promessas de amor
eterno.
A sensibilidade está mais à flor da pena e as pessoas tornam-se mais abertas e mimam-se
mais. O amor anda no ar e, ainda que seja um dia, é importante. Está-se mais predisposto para se dedicar ao outro.
É o dia em que, olhando à volta, se reafirma: o meu lugar é ao teu lado. Namorem-se hoje, e
não se esqueçam de o fazer nos restantes dias do ano.
Feliz dia dos namorados!

BaiãoCanal|Jornal

 

 

SOCIEDADE | Natércia Teixeira | “Quem estará nas trincheiras ao teu lado?

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“Quem estará nas trincheiras ao teu lado?

- E isso importa?
- Mais do que a própria guerra.”

Atribuída a Hemingway, a citação recorda-nos a importância de quem temos por perto em
tempos de crise…isso e a relevância de algumas escolhas, já que umas quantas, mais que caixinhas de surpresas, podem revelar-se caixas de Pandora.
Neste momento todas as relações interpessoais são importantes, no entanto são aquelas que mantemos com quem nos é próximo que são vitais, paradoxalmente, acontece com uma
frequência intrigante, serem essas em que menos se investe emocionalmente.
As justificações para isso, serão certamente tantas quantos os intervenientes…os motivos
também.
Pessoalmente atribuo esse desleixo à falsa sensação de segurança que o hábito nos incute, à preguiça que a monotonia nos induz, à mesmice das rotinas, ao cansaço das responsabilidades.
Dito isto, que tal olhar com “olhos” de ver, para quem temos connosco nas trincheiras?
Se “dormimos” com o inimigo esta pode ser a hora de chamar reforços e lutar.
Ninguém vence guerras sozinho, da mesma forma que ninguém sai delas nessa condição.
Capitular não é desistir é aceitar que não vencemos todas as batalhas e que por vezes para se ganhar a guerra, há que mudar o rumo.
Aos que têm bons companheiros de trincheira, cabe-lhes por direito e obrigação, estreitar
laços…cultivar o Amor.
A quatorze de Fevereiro do sec. III, Valentim, um bispo italiano, foi morto por desobedecer à
ordem do Imperador Claúdio II, que proibia o casamento, por entender que os soldados
solteiros eram melhores combatentes.
Condoído com a situação dos enamorados, o bispo abençoava as uniões em segredo, o que lhe valeu a execução, não sem antes na prisão, ele próprio se enamorar.
A história perdurou no tempo e chegou até nós…
Aproveitem a data e o recato forçado, desliguem os telemóveis, computadores e tv’s…esqueçam as restrições alimentares e organizem um jantar especial no próximo dia 14.
Evidente que ninguém precisa de datas ou rituais específicos para celebrar o Amor…ou se
precisam, usem-nos!
Provavelmente não se manifestarão milagres com isto, mas também não virão males maiores ao mundo…com a vantagem de ficarem mais felizes com a comidinha de conforto e com a desintoxicação de informação e redes sociais.
Se tiverem filhos envolvam-nos, nada funciona melhor que o exemplo, o futuro é deles e esse
será o vosso maior legado.

Homens, as floristas continuam abertas…em alternativa peçam aos vossos filhos, que numa
daquelas saídas rápidas para esticar as pernas, surripiem com parcimónia uns fetos e façam um bouquet para oferecer às vossas mulheres.
Mulheres… há floristas online e os homens também gostam de receber flores!
Nisto, como em tudo verdadeiramente importante na vida, conta a intenção…conta a atenção e se nada disso conta, provavelmente já não haverá nada a contar.
Como disse e muito bem o nosso ilustríssimo romancista Miguel Torga:
“A vida afetiva é a única que vale a pena.
A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo.”
Eu concluo: ou apelamos aos laços que nos unem e valorizamos o que temos e quem temos ao nosso lado ou acabaremos, inevitável e nada orgulhosamente… sós, ainda que rodeados de multidões mais ou menos virtuais.

Natércia Teixeira