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BAIÃO CANAL - Jornal

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EDUCAÇÃO | A escola de emergência | Maria Odete Souto

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Uma semana após o reinício das atividades letivas, num ensino a distância, trago à liça algumas questões que me parecem pertinentes.

Não vou discutir aqui, se se deve chamar de ensino a distância ou à distância, questão que tem ocupado muitos teóricos e muitos investigadores, mas que não me parece ser importante para os assuntos que pretendo trazer à reflexão.

Como penso que é do conhecimento público, as escolas antes do início do ano letivo, tiveram que preparar três cenários possíveis: o ensino presencial, o ensino misto, para as situações em que houvesse alunos em isolamento profilático, e o ensino a distância, para a eventualidade de novo confinamento. E, portanto, as escolas estavam, deste ponto de vista, preparadas.

Também é verdade que, da experiência tida no ano transato, muitos professores e muitas professoras, fizeram imensa formação ao nível do uso das novas tecnologias na educação e investiram imenso em equipamentos para poder responder, de forma capaz, num cenário de possível confinamento.

De referir que, na sua maioria, os professores e as professoras têm filhos/as em idade escolar e, portanto, impunha-se haver equipamentos que chegassem para todos e todas. Ou não. É que a classe docente não é propriamente bem remunerada e não tem qualquer benefício e/ou apoio. E o orçamento doméstico não estica. A aquisição de computadores, mesas digitalizadores, câmaras e afins, nem sempre estão ao alcance de todas as famílias, mesmo da classe docente.

Colocou-se e coloca-se o atraso na aquisição dos computadores, por parte da tutela, para cedência aos alunos e às alunas beneficiários da ação social escolar. No entanto, as escolas, em articulação com as autarquias, acabaram por resolver e, também por aqui, a coisa parece sanar-se sem grandes problemas.

Os problemas maiores são de outra índole e afetam alunos/as e professores/as.

Por um lado, a cobertura de rede de internet não chega a todo lado. E isto é muito mais gritante nas regiões do interior. Mesmo nas zonas em que há cobertura, a velocidade contratada não é garantida e, em muitas situações está constantemente a cair. Trabalhar nestas circunstâncias é desesperante, aprofunda as desigualdades e gera injustiça.

Por outro lado, a replicação do ensino presencial no ensino a distância que tende a ser feita é um erro enorme. Desde logo, com o horário, porque manter, ligado a um ecrã de computador uma criança, um jovem ou mesmo um adulto, por quatro, cinco, seis e mais horas, é extremamente lesivo, quer para a saúde física quer para a saúde mental. E não aproveita a aprendizagem.

A resolução de tarefas, de fichas e de testes, por mais App que sejam usadas, não conduzem à reflexão, à pesquisa, à construção de conhecimento e, levado ao limite, pode conduzir ao desalento e à desistência, sobretudo daqueles e daquelas que menos se identificam com a escola e com os saberes escolares. Normalmente os alunos e as alunas do estrato social mais desfavorecido.

Por último, todos sabemos que as casas das pessoas não são a escola e nem os pais são professores dos seus filhos.

Assistimos às situações mais diversas e que nos deixam, enquanto professores/as, perplexos/as e extremamente angustiados/as: três e quatro crianças na mesma casa e em níveis de escolaridade diferentes; pais que acham que têm que ajudar ou resolver as tarefas escolares dos filhos; que se arvoram de pedagogos e acham que bom professor é aquele que “dá a matéria” em powerpoint, que agora está na moda, e que faz as fichas e dá as soluções, ou que se permitem assistir às aulas para ver se o professor dá as aulas em condições; e o cão e o gato que se assumem como “alunos atentos e interventivos”. Ou o aluno que, desesperadamente, quer falar com o professor e não tem privacidade para o fazer. Ou aqueles que estão em casa, entregues à sua sorte, porque os pais têm que trabalhar. E tantas, tantas situações que não são resolúveis nesta escola de emergência.

Por tudo isto, é urgente assumir que isto é o que é, mas não é escola e não cumpre os seus desígnios. É o possível.

É meu entendimento que, logo que possível, em termos de controlo pandémico, se deve retornar à escola e ao ensino presencial, parcial ou totalmente. Vejo, com bons olhos a possibilidade de subdivisão dos grupos/turma e do horário, passando a ser feito metade presencialmente e outra metade em trabalho autónomo, sob a supervisão do/a professor/a, por forma a diminuir a concentração de pessoas, quer nos transportes quer no espaço escolar. Mas presencial, porque nada o substituiu.

Parece-me, também, que do ponto de vista pedagógico a escola tem que caminhar para modelos ativos de aprendizagem ainda que mediados por tecnologias e em diferentes espaços. Cenários de aprendizagem por gamificação, aula invertida, pedagogia de projeto, tertúlias dialógicas são exemplos de caminhos possíveis que promovem a equidade contra a uniformização.

Impõe-se reinventar a escola, mesmo em tempos de pandemia.

Odete Souto (professora)