Natércia Teixeira | O gato nasceu completamente terminado
…” O gato nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.”
Ode ao Gato de
Pablo Neruda.
Não nasci talhada para o conforto de algumas indiferenças, mas também não o lamento.
Também não tenho vocação nem vontade para doutrinar seja quem for, do direito de me indignar, não abdico nem permito que quem quer que seja o questione.
Também me considero livre de ter opiniões, baseada em factos que presencio.
Este episodio é um entre muitos e uma situação transforma-se num problema no momento
em que por repetição se valida uma conduta errada.
Aconteceu num fim de dia normal, bom tempo e boa visibilidade… a azáfama própria de
horário de saída de um Pólo Escolar, pais dentro dos carros a aguardar pelos filhos e outros já
nos passeios a acompanha-los no trajeto de regresso a casa.
Chego à entrada do meu prédio e deparo-me com um felino estendido na rua ao lado de um
carro estacionado.
Pelo posicionamento do gato e pelo movimento de carros na via, a probabilidade de um lhe
passar por cima, era considerável.
A imobilidade do animal fazia supor o pior, apesar da ausência de sinais visíveis de ferimentos.
A possibilidade de o gato estar vivo, pareceu-me motivo suficiente para parar e ir perceber o
que se passava com o bicho.
A aproximação confirmou que se encontrava prostrado, mas com vida.
Entendi, sem margem para duvidas, como humana e por civilidade, ser minha obrigação retirar
dali aquele ser vivo, em evidente agonia e foi o que fiz.
As minhas dúvidas prendem-se quanto à humanidade e civilidade de todos, e foram muitos,
que presenciaram o mesmo que eu e se remeteram à indiferença.
Não sou melhor que ninguém e todos os dias sou agradavelmente confrontada com a
evidencia que há por aí muita gente, que também não sendo melhor que os indiferentes que
por ali passaram naquele dia, são gente que sabe ser gente, pelo que não existe termo de
comparação com os que não o sabem ser.
O mundo não se divide em maus e bons, apenas em atitudes certas e atitudes erradas, bons
exemplos e maus exemplos.
Dirijo-me na primeira pessoa ao ser que estava sentado dentro do carro à espera do filho com
o gato estendido à frente:
És um mau exemplo!
A todos os outros que ali passaram e procederam de igual forma:
Vocês são maus exemplos… de pessoas, de educadores e de pais.
Quanto ao gato:
Gato…provavelmente sem nome, mas também não te fazia falta um, porque não terias quem
te chamasse, sobreviveste sozinho até seres traído pela curiosidade ou pela necessidade de
atravessar a rua.
Foi tarde que pela primeira vez alguém te pegou no colo, te enrolou numa manta fofa e te pôs
a repousar numa cama quente.
Não foi tarde para pela primeira vez pressentires que há humanos que conseguem sê-lo.
Partiste em paz.
Eu fiquei em paz.
Quanto aos outros… os outros são os outros e conseguirão sem dúvida alcançar a paz que
merecem.
Post Scriptum: Alerto, porque julgo pertinente, para a necessidade de se colocarem lombas
que restrinjam a velocidade dos automobilistas numa via que é de acesso a um Pólo Escolar,
assim como passadeiras com sinalização luminosa; pela segurança das crianças, por todos nós,
por todos os seres sencientes e também pelos que o não são.
Natércia Teixeira