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BAIÃO CANAL - Jornal

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Paulo Esperança | A HISTÓRIA JUSTA

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A HISTÓRIA JUSTA

 

A História, dizem-nos, é feita de vencedores e só a estes é reconhecido o papel de ícone nas imagens integradas nos seus tratados.

Há quem diga que para analisar alguns dos protagonistas da História o tempo de análise é sempre cedo e que é preciso distância e equilíbrio para haver isenção.

Sei que há exemplos casuísticos que provam todas estas teorias assim como, muitas vezes, essa justificação se torna útil para negar as verdades de alguma História contemporânea.

Tudo isto acontecerá depois de hoje, dia em que Otelo Saraiva de Carvalho, nos deixou.

A sua acção estratégica no desenvolvimento do 25 de Abril de 1974 será certamente menorizada por diversos sectores que ou são nostálgicos do período fascista ou sobrevalorizam  acusações posteriores, de índole política.

Nenhum ser humano é perfeito e a História, ela própria, revela-se, amiúde, desmentida por aquisições e estudos que demonstram que a verdade de então pode ser  posta em causa em tempos vindouros.

A História é muitas vezes escrita e contada  em “fatias”. “Isto” deve ser destacado em detrimento “daquilo”. E o “isto” ganha lugar cimeiro obliterando tudo o que a liberdade ganhou com a ousadia dos Capitães de Abril e, obviamente, Otelo Saraiva de Carvalho.

Conheci-o bastante bem! Na campanha presidencial de 1976, principalmente a norte, na Comissão Coordenadora da Comissão Pró-Amnistia “Otelo e Companheiros” e mais tarde quando integrou o Conselho Consultivo da Associação José Afonso sendo que era o seu sócio número dois.

A honestidade intelectual, o desapego a cargos ou medalhas, a disponibilidade inquieta e muitas vezes apenas emocional para o apoio a todas as causas que valiam a pena deve fazer de Otelo Saraiva de Carvalho um símbolo absoluto da liberdade, essa liberdade que outorga aos seus inimigos o privilégio de poderem dizer as asneiras e os disparates que lhes vêm à cabeça.

A História vai registar Otelo Saraiva de Carvalho como um homem não consensual. Dará jeito, seguramente, para iludir as questões centrais no empenho pela liberdade.

Otelo Saraiva de Carvalho era mais um que não “ia em “futebois”, não bajulava os poderes políticos, nem se passeava nas parangonas da luminosidade ridícula de alguma comunicação social.  Quase de certeza que não haverá dias de luto nacional. Por mim, fico satisfeito por não assistir a mais um acto de demagogia e embuste.

Porque em política e em História, não vale tudo!

Por isso, BEM HAJAS, OTELO!

 

Porto, 25 de Julho de 2021

Paulo Esperança

Morreu Otelo Saraiva de Carvalho. O Capitão de Abril e um amigo presente do Baião Canal

Editorial, por José Pereira (zedebaiao.com) e Carlos Magalhães, em 25.07.21

Otelo Saraiva de Carvalho: «O 25 de Abril não foi uma vitória operacional,  foi psicológica.»

Otelo Saraiva de Carvalho estava internado no Hospital Militar de Lisboa, onde veio a falecer com 84 anos (1936-2021).

Morreu o homem que vivia uma indignação constante perante as injustiças e desigualdades que via acentuar-se em Portugal, tendo chegado a referir que o 25 de Abril não foi feito para isto. 

Quem o conheceu, refere que era um homem polémico ou desconcertante, mas generoso, incorruptível e inesquecível:

Desconcertante, porque se indignava ao tomar consciência de que tinha liderado uma Revolução que não seguiu o seu propósito inicial.

Desconcertante, porque vinha assistindo à cavalgada de uma "democracia com fatinho de pronto-a-vestir a que nem sequer os financiadores autorizaram ajustamentos. Aquela roupagem de amanuense que Eça de Queiroz, um génio, como o padre António Vieira, ou Pessoa, diziam dever ser feita na adaptação do regime político português aos da Europa: uma democracia que nos ficava sempre comprida nas mangas e curta nas calças, ou ao contrário".

Desconcertante, porque se indignava ao tomar consciência de que há homens e mulheres a levantar-se às 5 ou 6 horas da manhã, para irem executar os mais duros trabalhos, cinco ou seis dias por semana, e a chegar a casa depois das 20 horas, ganhando um misero salário mínimo.

Indignado por tomar consciência do nível de vida dos portugueses e do valor das reformas que a esmagadora maioria dos idosos da sua geração têm hoje em dia, depois de décadas de trabalho duro. 

Otelo era uma figura maior do que aquilo que a história tem vindo a retratar. Mas, com o passar do tempo, a história julgará a sua coragem, o seu arrebatamento e até os seus erros, porque o próprio também os admitia. Mas ficará para sempre na memória de todos portugueses como um dos grandiosos símbolos de Abril, da libertação dos portugueses e da Liberdade.

Os Capitães de Abril foram os libertadores de Portugal.

E Otelo Saraiva de Carvalho foi o seu orientador. 

Referem os seus colegas e amigos que, à época, "era o militar que melhor entendia a "atmosfera social" e tinha um instinto apurado para a orientação e organização estratégica"

Foi Otelo quem escolheu o tema Grândola Vila Morena para senha do 25 de de Abril. Zeca Afonso apoiou a sua candidatura à presidência da República, em 1976 e em 1980.

Que os portugueses saibam respeitar a sua memória.

Foi ele que abriu as portas do golpe de Estado aos portugueses para estes fazerem uma revolução.

Otelo Saraiva de Carvalho conseguiu “de forma genial derrubar a ditadura sem sangue".
Otelo Saraiva de Carvalho dizia: “Façam tudo, mas evitem qualquer tipo de violência“
 
Sem Otelo e sem os seus camaradas, que tiveram a capacidade e coragem para avançar, a ditadura não teria sido derrubada nem teria sido aberto o caminho para a democracia e para a luta popular.
Chegou a referir Zeca Afonso, que eram "os melhores anos da nossa vida".
 

Pois que saibamos preservar os Valores de Abril!

«O 25 de Abril não foi uma vitória operacional, foi psicológica.»

Paulo Moura, jornalista do Público e autor da Biografia do Otelo Saraiva de Carvalho, referiu que "foi o princípio da mudança e esse princípio tem o nome de Otelo Saraiva de Carvalho".
 
Em Março de 2020, segundo a revista Visão, esteve treze dias hospitalizado devido a uma insuficiência cardíaca.
 


NOTA BIOGRÁFICA 

Fonte: Jornal Público

Otelo Saraiva de Carvalho nasceu em Moçambique, na antiga cidade de Lourenço Marques, em 1936. Foi capitão em Angola entre 1961 a 1963 e na Guiné entre 1970 e 1973.

Foi o responsável pelo sector operacional da Comissão Coordenadora do MFA (Movimento das Forças Armadas), o movimento militar que pôs fim à ditadura do Estado Novo. Com a responsabilidade das operações militares do 25 de Abril, Otelo dirigiu as acções da revolução a partir do posto de comando instalado no Quartel da Pontinha, em Lisboa. 

Graduado em brigadeiro, chegou a comandante da COPCON (Comando Operacional do Continente, um comando militar criado pelo MFA) a 23 de Junho de 1975, tendo sido afastado do cargo após o 25 de Novembro de 1975. Nessa altura, quando dirigiu o COPCON, Otelo tinha um “poder legal e imenso”, segundo a biografia “Otelo, o Revolucionário”, de Paulo Moura, ex-jornalista do PÚBLICO.

Conotado com a ala mais radical do MFA, Saraiva de Carvalho foi preso na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro e solto três meses mais tarde, tendo sido candidato às eleições presidenciais de 1976 e às de 1980, em que ganhou o general Ramalho Eanes. Nesse mesmo ano fundou o partido Força de Unidade Popular (FUP), um partido na área do “socialismo participado" e que foi extinto em 2004. 

Em 1985, Otelo foi preso pelo seu papel na liderança das FP-25 de Abril, uma organização terrorista de extrema-esquerda, que operou em Portugal entre 1980 e 1987, e à qual foi imputada a autoria de 13 mortes e de dezenas de atentados. 

Foi libertado cinco anos mais tarde, após ter apresentado recurso da sentença condenatória, ficando a aguardar julgamento em liberdade provisória. 

Em Junho de 1991, o Parlamento aprovou uma lei de amnistia, promulgada pelo então Presidente da República Mário Soares, mas que não abrangia os acusados de actos de terrorismo. Em 1996 foi aprovada uma lei que amnistiava “as infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991”, mas não abrangia os crimes de sangue. O julgamento dos crimes de sangue, em que Otelo também foi acusado a par de outros 70 réus, iniciou-se em 1991 e durou 10 anos. O colectivo de juízes reconheceu que os crimes existiram mas não conseguiu

Na biografia de Paulo Moura, Otelo assume a sua bigamia. “Aparece em público com elas, não mente a nenhuma, trata-as por igual. Também nisso é organizado. De segunda a quinta vive numa casa; sexta, sábado e domingo passa-os na outra”, lê-se na introdução do livro.

Otelo Saraiva de Carvalho: «O 25 de Abril não foi uma vitória operacional,  foi psicológica.»