Morreu Otelo Saraiva de Carvalho. O Capitão de Abril e um amigo presente do Baião Canal
Editorial, por José Pereira (zedebaiao.com) e Carlos Magalhães, em 25.07.21
Otelo Saraiva de Carvalho estava internado no Hospital Militar de Lisboa, onde veio a falecer com 84 anos (1936-2021).
Morreu o homem que vivia uma indignação constante perante as injustiças e desigualdades que via acentuar-se em Portugal, tendo chegado a referir que o 25 de Abril não foi feito para isto.
Quem o conheceu, refere que era um homem polémico ou desconcertante, mas generoso, incorruptível e inesquecível:
Desconcertante, porque se indignava ao tomar consciência de que tinha liderado uma Revolução que não seguiu o seu propósito inicial.
Desconcertante, porque vinha assistindo à cavalgada de uma "democracia com fatinho de pronto-a-vestir a que nem sequer os financiadores autorizaram ajustamentos. Aquela roupagem de amanuense que Eça de Queiroz, um génio, como o padre António Vieira, ou Pessoa, diziam dever ser feita na adaptação do regime político português aos da Europa: uma democracia que nos ficava sempre comprida nas mangas e curta nas calças, ou ao contrário".
Desconcertante, porque se indignava ao tomar consciência de que há homens e mulheres a levantar-se às 5 ou 6 horas da manhã, para irem executar os mais duros trabalhos, cinco ou seis dias por semana, e a chegar a casa depois das 20 horas, ganhando um misero salário mínimo.
Indignado por tomar consciência do nível de vida dos portugueses e do valor das reformas que a esmagadora maioria dos idosos da sua geração têm hoje em dia, depois de décadas de trabalho duro.
Otelo era uma figura maior do que aquilo que a história tem vindo a retratar. Mas, com o passar do tempo, a história julgará a sua coragem, o seu arrebatamento e até os seus erros, porque o próprio também os admitia. Mas ficará para sempre na memória de todos portugueses como um dos grandiosos símbolos de Abril, da libertação dos portugueses e da Liberdade.
Os Capitães de Abril foram os libertadores de Portugal.
E Otelo Saraiva de Carvalho foi o seu orientador.
Referem os seus colegas e amigos que, à época, "era o militar que melhor entendia a "atmosfera social" e tinha um instinto apurado para a orientação e organização estratégica".
Foi Otelo quem escolheu o tema Grândola Vila Morena para senha do 25 de de Abril. Zeca Afonso apoiou a sua candidatura à presidência da República, em 1976 e em 1980.
Que os portugueses saibam respeitar a sua memória.
Foi ele que abriu as portas do golpe de Estado aos portugueses para estes fazerem uma revolução.
Pois que saibamos preservar os Valores de Abril!
«O 25 de Abril não foi uma vitória operacional, foi psicológica.»
NOTA BIOGRÁFICA
Fonte: Jornal Público
Otelo Saraiva de Carvalho nasceu em Moçambique, na antiga cidade de Lourenço Marques, em 1936. Foi capitão em Angola entre 1961 a 1963 e na Guiné entre 1970 e 1973.
Foi o responsável pelo sector operacional da Comissão Coordenadora do MFA (Movimento das Forças Armadas), o movimento militar que pôs fim à ditadura do Estado Novo. Com a responsabilidade das operações militares do 25 de Abril, Otelo dirigiu as acções da revolução a partir do posto de comando instalado no Quartel da Pontinha, em Lisboa.
Graduado em brigadeiro, chegou a comandante da COPCON (Comando Operacional do Continente, um comando militar criado pelo MFA) a 23 de Junho de 1975, tendo sido afastado do cargo após o 25 de Novembro de 1975. Nessa altura, quando dirigiu o COPCON, Otelo tinha um “poder legal e imenso”, segundo a biografia “Otelo, o Revolucionário”, de Paulo Moura, ex-jornalista do PÚBLICO.
Conotado com a ala mais radical do MFA, Saraiva de Carvalho foi preso na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro e solto três meses mais tarde, tendo sido candidato às eleições presidenciais de 1976 e às de 1980, em que ganhou o general Ramalho Eanes. Nesse mesmo ano fundou o partido Força de Unidade Popular (FUP), um partido na área do “socialismo participado" e que foi extinto em 2004.
Em 1985, Otelo foi preso pelo seu papel na liderança das FP-25 de Abril, uma organização terrorista de extrema-esquerda, que operou em Portugal entre 1980 e 1987, e à qual foi imputada a autoria de 13 mortes e de dezenas de atentados.
Foi libertado cinco anos mais tarde, após ter apresentado recurso da sentença condenatória, ficando a aguardar julgamento em liberdade provisória.
Em Junho de 1991, o Parlamento aprovou uma lei de amnistia, promulgada pelo então Presidente da República Mário Soares, mas que não abrangia os acusados de actos de terrorismo. Em 1996 foi aprovada uma lei que amnistiava “as infracções de motivação política cometidas entre 27 de Julho de 1976 e 21 de Junho de 1991”, mas não abrangia os crimes de sangue. O julgamento dos crimes de sangue, em que Otelo também foi acusado a par de outros 70 réus, iniciou-se em 1991 e durou 10 anos. O colectivo de juízes reconheceu que os crimes existiram mas não conseguiu
Na biografia de Paulo Moura, Otelo assume a sua bigamia. “Aparece em público com elas, não mente a nenhuma, trata-as por igual. Também nisso é organizado. De segunda a quinta vive numa casa; sexta, sábado e domingo passa-os na outra”, lê-se na introdução do livro.