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BAIÃO CANAL - Jornal

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Rita Diogo | Positividade tóxica

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A pressão social para sermos felizes está associada, quem diria, a uma queda do bem
estar individual. Quantas vezes já ouviu dizer que precisa de pensar positivo,
independente das circunstâncias? E que não se pode deixar abalar ou abater pelas
dificuldades?
A positividade tóxica é um fenómeno caracterizado pela exaltação do positivo e
tentativas exacerbadas para reprimir o negativo. A positividade tóxica assenta na ideia de que podemos ter mais saúde e qualidade de vida se eliminarmos os sentimentos e pensamentos negativos. Há mesmo quem acredite que o pensamento positivo é o suficiente para prevenir infortúnios. Contudo, vivemos no mundo real, no qual situações desagradáveis acontecem e onde não é possível ser feliz a tempo inteiro. Sabemos que o ser humano é dotado de emoções complexas, positivas e negativas. Quando os sentimentos tidos como negativos são reprimidos, durante muito tempo, eventualmente, ressurgem com muito mais intensidade. Quem costuma reprimir muito a própria raiva e “engolir muitos sapos” sabe muito bem disto.
Mais importante que reprimir os sentimentos negativos, sejam eles o medo, a raiva ou a tristeza, será aprender a expressá-los de forma adequada. Todos sentimos uma variedade de emoções e sentimentos, e é importante que assim seja porque nos ajuda a compreender o que nos rodeia e a perceber a forma como reagimos a determinados
eventos. Negar constantemente tudo o que é negativo e que sentimos em situações difíceis, é exaustivo e não nos permite construir resiliência, tolerância à frustração e outras competências importantes. Por outro lado, também sabemos que as emoções que reprimimos são muitas vezes somatizadas, expressas através do corpo, não raramente na forma de doença. Quando negamos uma emoção, ela encontrará alguma forma alternativa de se
expressar e de nos lembrar que ela existe.
Também constatamos que a positividade tóxica está na moda. As redes sociais são uma forma de mascarar os eventos negativos que existem nas nossas vidas e quase nos obrigam a comparar nossas vidas com as vidas perfeitas que vemos online. Há uma tendência crescente para nos mostrarmos perfeitos e felizes nas redes sociais, algo que
para além de não ser real é desgastante. Se houvesse mais honestidade sobre as nossas vulnerabilidades, sentiríamos maior liberdade para experimentar todos os tipos de emoções. De facto, é como se a felicidade fosse um produto, algo que se compra, o que não é, de todo assim. Existe até alguma culpabilidade quando não nos sentirmos felizes
e alegres, que assenta neste mercado da positividade tóxica. Desde a pandemia que se assiste a um proliferar de livros de autoajuda, de aplicações para smartphones e de atividades “pseudoterapêuticas” que prometem vender felicidade e fazer-nos resolver as nossas agruras através de pensamentos positivos. Este mercado em expansão dificulta
tantas vezes a procura de ajuda especializada ou o recurso tardio à psicoterapia para quem dela precisa.

Rita Diogo

Psicóloga Especialista em Psicologia Clinica e da Saude