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BAIÃO CANAL - Jornal

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Lourdes Dos Anjos | Duas de letra

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SER PROFESSORA -Ser eterna aluna da Vida e do Amor.
 
Antigamente, talvez há mais de duzentos anos, quando a minha carreira começou, os alunos não tinham apoios psicológicos nem pré-primária nem pais que os soubessem ensinar a fazer os trabalhos de casa.
Quando tinham dificuldades de aprendizagem, havia a palmatória, as proibições de ir ao recreio, as palavras difíceis vinte vezes cada uma e ainda os sermões paternais que ajudavam a missa docente.
Era assim tudo muito indecente naquele tempo de há quase dois séculos atrás…
Quando a canalha não ia, nem assim nem de outra maneira, andava na escola até aos 16 anos e depois ia para a costura, ia servir para casa duma senhora com posses ou aprender qualquer profissão de segunda classe e, pronto, o futuro era apenas só presente e muito triste.
Neste rosário de “padres nossos” fiquei com muitos amigos que hoje quase são da minha idade e me ensinaram muitos segredos da pesca do sável, da matança da lampreia, do jogo do pião, da forma de ajudar o parto das porcas e das ovelhas e também como se faziam os temperos dos chouriços e as receitas de muitos bolos tradicionais que os mais pobres inventavam de forma maravilhosa.
Uma dessas meninas, que deve ter hoje mais de 60 anos, saiu da escola com 15 anos bem avantajados, mal escrevia o seu nome mas fazia contas de cabeça quase tão rapidamente como eu.
Para ganhar “alguma coisita” foi vender fruta pelas portas com a mãe, e zangava-se muito sempre que a velha raposa enganava as freguesas com o peso ou a qualidade das laranjas ou das maçãs. Também não percebia porque raio a mãe teimava em vender muito artigo a quem pagava aos soluços, ainda que lhe explicassem que se iam metendo pelo meio das parcelas umas “croas” que davam para os juros da divida.
Não concordava, zangava-se, dizia uns quantos palavrões, vinha até junto da sua professora pedir conselho e lá continuava a sua cruz até ao calvário acompanhando a velha mãe.
Dizia que gostava de ser “senhora sua“, ter uma casinha pequenina numa rua onde ninguém a conhecesse, longe de todos os pobres como ela e pronto…ser gente.
Muitas vezes a contrariei e muitas outras a ajudei a sonhar.
Um dia largou a giga da fruta e foi para a feira. Depois arranjou um companheiro e fez um filho; depois ficou só com esse filho para criar. Depois , se calhar proibiram-na de sonhar e depois…
Um dia encontrei-a numa esquina duvidosa de uma rua ruinosa da cidade. Fui ter com ela dei-lhe
um abraço
 
grande e ouvi, sem nada perguntar, a minha menina dizer que estava ali porque esperava uma cunhada que trabalhava num armazém das redondezas.
Fiz de conta que era verdade.
Fiz de conta que não percebi.
Fiz de conta que acreditei.
Dei-lhe outro abraço agora mais forte e não fui capaz de segurar umas lágrimas atrevidas e azedas que se escaparam da cela dos meus olhos.
Muitos dias depois, na minha caixa do correio, tinha uma carta cheia de erros, muitos erros, com letra de imprensa (a única que aprendera a fazer e mal feita) dizendo que não perdoava o pecado de me ter feito sofrer e lhe tinha custado muito ver aquelas lágrimas enchendo o rosto da professora que tanto admirava.
A vida sempre lhe tinha dificultado a tarefa de aprender a ler e a escrever na escola mas, muito rapidamente, na rua, tinha -lhe ensinado como se acrescentava ao seu nome, a azeda palavra “Puta!”.
Não sei por onde hoje anda, nada mais consegui saber dos seus pesadelos e das suas raivas, mas tenho a certeza que vou levar comigo o rosto da menina que queria ser séria e caminhar por caminhos largos e sem sombras, de mão dada com a alegria, sem cheiros de ervas ruins nem sombras de vampiros.
Se calhar abril continua a ser um tempo de tempestade e eu também tenho culpa!
SER PROFESSORA AINDA É, PARA MIM...SER ETERNA ALUNA DA VIDA E DO AMOR...E SABER O GOSTO AMARGO DOS TEMPOS DO VERBO SOFRER

TREINADOR ME CONFESSO | De Jorge Araújo | Presidente da Team Work Consultores

JorgeAraujo

Apoderemo-nos de algumas velhas teorias que ainda hoje nos podem ser úteis, não renunciemos a elas. Os criadores modernos que fogem da teoria, têm nessa atitude o seu primeiro calcanhar de Aquiles.

Enrique Vila Matas, Perder Teorias, Teodolito, 2010

 Não basta que os treinadores queiram ter sucesso

Precisam lutar por isso, com base em parâmetros bem objetivos, o primeiro dos quais é a realidade, o contexto em que vivem e se desenvolvem.

Que referências importantes retirar do meio ambiente, tendo em vista a definição da estratégia que os conduzirá ao êxito? Que cultura e valores se apresentam como dominantes? A cultura e os valores representam a respetiva mística social, uma verdadeira cola que junta pessoas ao redor de objetivos e interesses comuns, dando origem a um estado de espírito coletivo que muitas vezes é decisivo para a obtenção do sucesso.

Segue-se a ideia fundamental que quem joga são os jogadores e não os treinadores ou os dirigentes. A motivação e a famosa concentração de que todos falam hoje em dia, decorre quase sempre, pela positiva e pela negativa, do tipo de enquadramento em que os treinadores e os dirigentes os colocam. Como tantas vezes tenho insistido, já nos anos cinquenta McGregor, autor de obras de referência acerca do tema da Motivação, afirmava que todo o ser humano é motivável e motivado por natureza e que, quando assim não atua, a responsabilidade não é na maioria das vezes sua mas sim do modo como é liderado.

Como pessoas e seres humanos que são, os jogadores não fogem a esta regra. Dentro de uma estratégia clara onde se percebam os objetivos a atingir e as regras de vida coletiva a respeitar e estejam envolvidos e responsabilizados na respetiva concretização e ajudam a que o todo seja maior que a soma das partes. Quando assim não acontece, naturalmente desmobilizam, cada um pensa mais em si que nos interesses da equipa.

Ideias bastante simples e com as quais estamos na generalidade todos de acordo.

 São fundamentais uma estratégia e uma liderança que tragam consigo o reconhecimento da autoridade de quem dirige

Todos os dias ouvimos, lemos ou assistimos a ocorrências várias comprovativas da falta de estratégia e de liderança com que por vezes atuam clubes profissionais e treinadores, empresários e políticos.

 Como se a realidade que os rodeia não existisse e os resultados e o sucesso que perseguem não justificasse outros cuidados que não o de se mostrarem exclusivamente concentrados em si mesmo.

A nível individual e coletivo buscamos o sucesso e o reconhecimento social como um suporte motivacional de decisiva importância. Para o conseguirmos, lançamo-nos dia-a-dia na procura de eventuais panaceias que nos conduzam ao êxito que almejamos. Até que descobrimos que não existem receitas verdadeiramente capazes de nos proporcionarem o sucesso. Mas sim um caminho que devemos prosseguir paulatina e obstinadamente. Onde a estratégia que utilizamos e a liderança que exercemos desempenham uma ação decisiva.

Trata-se de primeiro encontrar na realidade as referências e os modelos que nos permitam delinear uma necessária estratégia de ação. Depois apontar um princípio estratégico mobilizador de tudo e de todos, o guia orientador da intervenção da generalidade dos membros da organização a que pertencemos. Juntar-lhe valores, cultura quanto baste. Por fim levar à prática formas de liderança capazes de respeitarem questões decisivas em tudo o que se refira ao trabalho com pessoas. Quem é dirigido precisa de adquirir confiança em quem o lidera. Por via de uma autoridade reconhecida mais que imposta assente em competência, honestidade e coerência.

Também perceber que os resultados a obter dependem acima de tudo da mobilização de tudo e de todos ao redor de objetivos e interesses comuns. Que requerem uma estratégia de ação conforme com a realidade social vigente e um grande respeito pela cultura e os valores vigentes. Numa interação turbulenta, dinâmica e o mais flexível possível, respeitadora da necessidade de colaboradores cada vez mais criativos e autónomos, capazes de gerirem o inesperado e formados segundo a tese que, se jogamos conforme treinamos, temos de treinar como se joga.

  1. O treinador tem de ser capaz de mobilizar a motivação daqueles com quem trabalha

Mesmo quando a qualidade do candidato a treinador revela uma informação e formação acima da média, ele tem de ser capaz de provocar, através da sua ação, o interesse e motivação dos que aprendem e treinam, pois não há progresso nem êxitos possíveis sem a participação motivada dos atletas.

A profissão de treinador tem de ser exercida de modo estimulante para a autonomia futura dos atletas sob a sua responsabilidade, acreditando nas capacidades daqueles que fazem parte do seu grupo de trabalho e devolvendo-lhes competências.

Obviamente, cada treinador deve atuar de acordo com as suas características e limitações, sem nunca esquecer a responsabilidade que lhe está atribuída quanto à formação social e emocional dos atletas com quem trabalha e à melhoria gradual destes, no âmbito dos conhecimentos relativos à modalidade a que se dedicam.

Consciente que os resultados provenientes da intervenção do treinador têm profundos reflexos sociais pela influência educativa, (ou deseducativa!), que exercem nos jovens e nos adultos, quer sejam praticantes ou adeptos.

  1. Logicamente, não existem treinadores ideais

Não existem treinadores do tipo «que sabe tudo» e «nada o perturba», «homem sem defeitos» e comportamentos sociais e desportivos sempre irrepreensivelmente modelares. Tais modelos não passam de produtos imaginários, criados e alimentados por enquadramentos sócio desportivos alienatórios da realidade.

O treinador ideal, nem mesmo no domínio da utopia poderá ser descrito, não existindo um perfil único de treinador, mas sim uma série infindável deles, consoante as circunstâncias e suas respetivas necessidades de intervenção. Várias foram, até á data, as investigações cujas conclusões comprovaram que o treinador é um ser humano sujeito aos problemas e dificuldades de qualquer cidadão.

Ao treinador dos dias de hoje, exige-se-lhe um desempenho, onde, mais do que atuar de modo autoritário, ele veja a sua autoridade reconhecida, conhecendo-se a si próprio e às necessidades de realização, autoestima e segurança social que, como qualquer outro cidadão, norteiam a sua atividade. Desenvolvendo a sua ação com o objetivo natural de ter sucesso, (realização), «gostando de si próprio», (autoestima), necessitando, para isso, de pertencer a um grupo profissional socialmente dignificado.

Treinador me confesso.

Jorge Araújo - Presidente da Team Work Consultores

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