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BAIÃO CANAL - Jornal

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Um natal | Rita Diogo | Oferecer emoções no Natal

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Escrever sobre o Natal é quase “uma frase batida”… paz, amor e harmonia. Para tentar fugir um bocadinho ao cliché e mantendo-me fiel aos assuntos que nos inquietam, nesta crónica e sobre o que para mim significa o Natal (acima de tudo “estar com, ouvir, partilhar”), vou refletir convosco sobre alguns dados divulgados sobre a felicidade (ou falta dela) nos jovens portugueses.

Foram divulgados, recentemente, os resultados do estudo “A saúde dos adolescentes portugueses em contexto de pandemia – dados nacionais 2022” que nos devem preocupar a todos e a todas. Penso que não serão novidade para ninguém, mas poderão perturbar um pouco a nossa consciência e fazer-nos refletir. Destaco apenas alguns dados:

“21% dos adolescentes sentem-se nervosos, 15,8% irritados ou de mau humor e 11,6% tristes quase todos os dias; 12,6% sente-se preocupado todos os dias, várias vezes por dia; 22,8% menciona que quando tem uma preocupação intensa, esta “não o larga” e “não o deixa ter calma para pensar em mais nada”; 19,7% nunca ou quase nunca se sente confiante com a sua capacidade para lidar com problemas pessoais. Em 2018, 18,3% dos participantes referiu que se sentia infeliz e em 2022 essa percentagem aumentou para 27,7%. 47,6% dos adolescentes declara utilizar a internet para fugir de sentimentos negativos”.

É fundamental que, em cada casa, em cada escola e que cada um de nós possa refletir no seu papel na construção da felicidade dos jovens. A expressão de sentimentos é fundamental. Os espaços de fala, de expressão livre do que se sente nos quais existe alguém para ouvir e escutar parece essencial. Estamos a enveredar para uma sociedade que desconsidera os mais jovens, as suas opiniões, o que têm para transmitir. É preciso criar espaços para aprender, escutar, entender e respeitar aquilo que o outro nos transmite. É urgente fomentar a consciência do papel de cada um nas suas próprias lutas, potenciando uma lucidez na criação do pensamento e do discurso. Não podemos silenciar se queremos escutar. Escutar implica disponibilidade, ação, tempo, espaço, um lugar seguro.

Os jovens estão tristes, sim, os seus afetos estão muitas vezes aplanados, sim. Mas qual o contributo da gente madura para contrariar isto? Empurrar a culpa para a utilização da internet, dos jogos ou das redes sociais é aquilo que ouvimos muitas vezes mas demasiado simplista. Parece-me que estes meios só se instalam de forma dominante quando não há diálogo, atividades alternativas, tempo disponível para estar, conversar, fazer coisas juntos. Não há nada de diabólico na internet nem na evolução, há sim uma complementaridade com as relações familiares, escolares, entre pares. Os espaços que se deixam vazios são ocupados, estamos a deixar muitos espaços vazios nos jovens. Os seus silêncios são enormes, insuportáveis para eles mesmos. Não basta perguntar como correu o dia, importa partilhar um pouco do nosso dia. Não basta perguntar como se sente, importa partilhar também o que sentimos. Será que ainda nos lembramos como se faz isto? Será que reconhecemos o que sentimos? Estaremos a caminhar para um analfabetismo emocional?

Continuamos a ouvir aquelas frases: “Não chores, não fiques assim, não fiques triste”. Como se sentir fosse mau. É assim que começamos a adormecer os sentimentos e as emoções, a reprimira capacidade de sentir o mundo, tentando educar para o mais fácil, para aquilo que é bom, para o que não incomoda e não chateia ninguém. É isto que faz com que as crianças cresçam com tão pouca literacia emocional e na crença de que chorar é mau, que é uma fraqueza. A iliteracia emocional impede-nos de lidar com a tristeza ou choro de uma criança, adulto ou de nós próprios. Por isso, neste Natal tente ouvir mais, escutar mais, estar mais disponível, criar espaços e lugares de fala, de expressão de sentimentos, reinvente-se, reinvente a sua forma de estar com o outro.

FELIZ NATAL!!!!

Rita Diogo