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BAIÃO CANAL - Jornal

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OS PEQUENOS TAMBÉM SÃO GRANDES (2)

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Um futebol a perder a bola.

Panorama preocupante no momento que atravessamos. Muitas nuvens impedem a luz do Sol. São múltiplas as notícias sobre dirigentes de SAD e clubes, com exemplos pouco edificante eaté dramáticos (Desportivo das Aves, Vitória SC de Setúbal, dois dos últimos dramas, certamente não os últimos). O Campeonato de Portugal e os Distritais podem tornar-se num grande problema porque sem os apoios, os modelos de competição e as regras adequadas. O futebol organizou-se com estruturas específicas, porém com práticas que poderão destruir um património valioso e revelando o reverso da especialização: suspeições, desconfianças, polémicas contínuas, promoção de ódios e conflitos, insegurança e eventuais casos de corrupção.

O destaque centra-se nos milhões e na desejada revitalização da indústria do futebol: entendo o negócio enquadrado no jogo e não o seu contrário. Jogos transmitidos pelos canais televisivos todos os dias, para além de empobrecer o desporto, provocam perda de rotinas de convívio, passando a ser fontenários de polémicas obsessivas que nada têm que ver com o jogo. As receitas televisivas não têm a distribuição equitativa que teriam de obter.

Mesmo nas Ligas profissionais a clivagem é enorme. A diferença de valores dos orçamentos é um ponto de partida com limitações, que marcam a diferença.

Mesmo assim, os clubes com menores orçamentos conseguem lutar e vencer outros com maior poder económico.Os jogos não têm vitórias antecipadas.A Comunicação Social revelauma atitude parcial: Quando um clube com menor “peso” mediático vence um dos “grandes” a notícia destaca quem perdeu e não quemvenceu.

Os nossos “grandes”, comparados com as equipas das “BigFive”, passam a ser pequenos. É sempre uma questão de escala, de poder, de influências diversas e de circulação de capitais. Mesmo assim, há resultados que permitem reconhecer que, com trabalho competente e boa organização, se podem construir equipas que alimentem percursos desportivos de realce. Por isso, cada clube deve construir e alimentar a sua própria mística. A competitividade desportiva é um foco importante para motivar.

À volta do futebol (do desporto em geral) instalam-se interesses, por vezes contraditórios, que podem criar obstáculos ao seu desenvolvimento. Uma casa não se constrói pelo telhado mas pelos alicerces. Para não surgirem graves e sucessivos problemas, o clube deve pensar com visão alargada: aumentar número de sócios iniciando o percurso de filiação desde cedo, fidelizando de forma gratuita até aos 15 anos; construir base de dados que permita enviar mensagensno aniversário de cada sócio, convidando-o para iniciativas diversas; fomentar o clubismo, como universo especial. Se os dirigentes souberem manter relacionamentos exemplares com todos os clubes, especialmente com os mais próximos, poderão organizar torneios que ganham tradição, desde os escalões jovens aos veteranos.

Mas há nuvens escuras pela tendência em separar em vez de unir. À volta do futebol existe um conjunto alargado de negócios que têm de ser claros, com regras exigentes, para evitar aventureirismos destrutivos.

E se é verdade que há clubes a extinguirem-se, é possível reverter essa tendência, porque a vida em sociedade implica convívio e solidariedade. Temos um número de praticantes desportivos assustadoramente baixo, que nesta pandemia perdeu 75% (cerca de 180 mil praticantes). Ora, o desporto é uma atividade valiosa para a saúde, para a motivação, superação de objetivos, trabalho em equipa e muito mais. Lamentamos que o exemplo dos clubes menos poderosos economicamente sejadesvalorizadotambém no espaço mediático.

A tentação de aumentar estatisticamente onúmero de praticantes, para obter dimensão e benefícios oficiais, por vezes é ilusão, dado que se trata de crescimentos virtuais, conseguidos com inclusões de várias competições (autárquicas, etc.), na respetiva federação e não de novos praticantes. Para isso os clubes com menor dimensão já são úteis, porque gota a gota…

Se a dimensão económicado negócio, caminhar para objetivo único (a indústria), tenho a convicção de que a bola, descontente, fugirá a grande velocidade, deixando-nos sozinhos, sem a sua magia.

A mediatização da “final four” da Taça da Liga deixou evidências preocupantes: primazia para o espectáculo digital, tecnológico, e o negócio, mas futebol claramente como secundário.A presunção de atribuir um título de “campeão de inverno”, numa prova tão curta, é uma componente da estratégia comercial pura. Esta inversão de valores vai ter consequências nefastas cujos sinais já são notórios…

Aníbal Styliano (Professor, comentador)