OBLIQUIDADES (6) JAIME MILHEIRO
Eterno aprendiz do que desejava ser, inúmeras vezes pensei que teria razão antes do tempo, numa presunção que aparentemente me iluminava.
Já em miúdo perceberia bem e depressa. Antecipava situações e problemas sem nada resolver, numa atitude difícil de explicar e de estancar mas que me seria útil por certo, porque me diminuiria o medo do desconhecido que no subsolo lhe jazia.
A questão do produzido nem se punha…
(Sentindo-me obviamente
o melhorzinho da minha rua…)
até me dar conta que nas agendas de crescimento de toda a gente isso acontece...
e que todas as ruas são estreitas, curtas e sinuosas, mesmo as auto estradas a caminho do oriente.
Sem vacina, sem remédio, sem farmácia, todos os seres humanos nessa mesma argúcia se situam e nessa mesma infantilidade se enaltecem, comparando-se com as peças do vizinho que não conhecem nem possuem, mas que desejam conhecer e possuir.
Devemos felicitá-los por isso, ainda que múltiplos caprichos e contorcionismos possam sobrepor-se...
(Vi há dias um senhor com gravata
na fila da vacina...)
e ocasionais veleidades se recomendem ou apascentem.
Todos seremos únicos e brilhantes até deixar de o ser (a data da saída é que pode variar), salvo em circunstâncias disruptivas ou ladainhas depressivas…
(Os outros serão sempre favorecidos,
só nós é que mereceríamos...
“o meu filho na escola não aprende
porque a professora não presta”...).
carimbando a natural competitividade da espécie.
Na visão geral das coisas, nos caminhos ascensionais, nos patamares sociológicos, nos horizontes profissionais, inúmeras vezes isso também me aconteceu.
Como toda a gente senti que a minha estimadíssima intenção de melhoria pessoa e colectiva irremediavelmente se confinava nas morosidades programadas, nas resistências à mudança, nas manobras subterrâneas, nas preguiças sustentadas...
(Os ingratos não quereriam nem perceberiam,
o balanço ficaria para mais tarde… )
alegremente ofuscando a minha própria ingenuidade.
Significa isto que todos os seres humanos se embrulham na ilusão do significativo, mesmo que não façam coisa nenhuma. E que jamais se detêm, mesmo coxeando na bengala do adiamento.
Será impossível bloquear-lhe os seus sentimentos de percurso e as suas aspirações de futuro...
(Apesar dos discursos improváveis
e das circunstâncias irrealizáveis… )
assentes na incontornável misteriosidade interna que os promove.
Pela minha parte, tantas vezes isso me aconteceu que sem remédio foragi.
Fui pescar camarões na Lapónia e pouco depois já me encontrava na ilha de Páscoa a grelhar gambuzinos no pão de ló da madrinha, para mais tarde desfolhar rabanadas no Natal da África do Sul, sempre à maneira de quem espera as sopas de burro cansado na madrugada que há-de vir.
Tudo isso enquanto retirava catotas do nariz e as enrolava nos dedos, até que a minha avó chegasse e porcalhão me chamasse, querendo com isto acentuar que...
(Haverá sempre posturas inacabadas
trajectos por definir
indecisões retomadas
fantasias por assumir…)
e que ninguém acaba antes de acabar, mesmo que se obrigue a bisbilhotar ornitorrincos entre os jacarés das Berlengas.
Jaime Milheiro