Jaime Froufe Andrade | O homem macaco
Esta ouvi-a à minha avó, Margarida Froufe. Hoje, teria bem mais de 120 anos se fosse viva. Certo dia, menina e moça, desceu ela o seu Douro natal até ao Porto. Devidamente acompanhada, (menina daquele tempo não andava sozinha na rua) foi às compras para os lados da Rua Cândido Reis. Seria sábado, manhã alta.
Quando chegámos à Cordoaria o povo era muito, das traseiras dos Clérigos até à Cadeia não se rompia, um rebuliço... tudo por causa do homem macaco...
O início da história foi suficiente para espantar os meus seis anos de vida. A minha avó continuou: Criatura assim, Deus não criou outra. Tinha o tino de um homem, mas os modos eram de macaco...
Por ocasião da festa da Santa Eufêmia, alguém lhe falara já da criatura. E até lhe deixara um aviso: Foi um barqueiro. Até jurou pelas almas do rio que essa criatura, o homem macaco, molestava as mulheres só de olhar para elas. As mais fracas caíam logo, desmaiadas.
A minha avó, rapariga na altura, ia ter oportunidade de ver a criatura ao vivo. Contou-me ela: Furei por entre o povo até chegar à frente. Era conforme o barqueiro o pintava: atarracado, com uma tanga igual à do São João Baptista quando estava a ser baptizado no Jordão pelo primo Jesus Cristo. O cabelo crescia-lhe na testa e nos pomos do rosto.
Na manhã desse tão distante dia, havia um prémio à espera do homem macaco: Se em meia hora trepasse a torre dos Clérigos, a paga estava ali em cima de um tabuão, à vista de todos... doze sêmeas e um cântaro de água para ajudar a engolir.
O desafio obrigava a preparativos: Chegaram-lhe um balde com cinza e ele meteu lá as manzorras. E pôs-se a subir… Cada lance da ascensão do homem macaco arrancava exclamações de pasmo ao magote. Indiferente, ele ia trepando, trepando sempre. Por vezes, dava arriscados saltos no vazio. Pulava na vertical até fincar as unhas nas frestas do granito. E foi subindo, sem se deter.
Antes da meia hora escoar, já ele estava no topo da torre. Caprichou em oferecer número extra à multidão. Em inesperada manobra, que arrancou risos e pôs outros a persignar-se, fez o pino nos dois braços da cruz cravada no último pináculo. Depois desceu rapidamente os 240 degraus da escadaria interior. A pressa de receber o prémio era muita, verificou a minha avó.
Foi assim que tudo se passou. E eu, relator desta mirabolante história de minha avó Margarida Froufe, não estou receptivo a ser desmentido sobre este sucesso por algum especioso purista da história da cidade.
* Texto publicado no livro Porto, a torre da cidade nos 250 anos da Torre dos Clérigos / Helder Pacheco
Jaime Froufe Andrade: Jornalista/Escritor
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