Paulo Esperança | NUNCA PENSEI
Sei (sabemos) bem que vivemos num mundo dito globalizado em que os
sounbites marcam a chamada informação.
Também sei que esse mundo é desumanizado, não tem sentimentos,
explora apenas o crime, a violência, as pequenas histórias e o mal dizer.
A pandemia de covid 19 veio trazer às sociedades actuais questões,
interrogações, comportamentos que ninguém, obviamente, estaria à
espera. E que ninguém sabia (provavelmente ainda não saberá) como
poderia reagir.
Sou do tempo de fugir à polícia que carregava no Festival dos Coros em
Abril de 1973 na Faculdade de Ciências no Porto. Sou do tempo em que,
depois do 25 de Abril, a polícia carregava “forte e feio” quando se
ocupavam casas…simplesmente porque havia casas sem gente.
Sou do tempo em que as chamadas forças armadas eram vistas como
exemplo de instrumento colonial. E eram!
Mas também sou do tempo em que desde o posto de comando da
Pontinha com Otelo e outra gente boa e Salgueiro Maia no Largo do
Carmo, desapareceu um regime que tinha apodrecido e não percebeu que
o podre não regenera.
Apesar da sua adesão ao 25 de Abril tenho de confessar que policia, forças
militarizadas, tropas, nunca foram a minha praia.
Provavelmente os cabelos brancos e os custos de muitas derrotas sofridas
podem ser causadores do adocicar do sentido crítico.
Hoje, de facto, considero que será extremamente difícil às polícias lidarem
com gente –como aconteceu há dois meses- que vai para Porto Covo e
vilipendia e agride de forma gratuita tudo o que lhe aparece à mão.
Hoje, de facto, tenho alguma dificuldade em entender como se podem
fazer ajuntamentos “à balda”, sem qualquer tipo de precaução, no Largo
de Santos em Lisboa ou na Cordoaria no Porto sem que haja intervenção
das chamadas forças da ordem.
E digo isto porque na situação actual ainda estamos a falar de saúde
pública em que todos ainda temos de ter cuidados para que não
precisemos de fazer recuos.
Nos caminhos que temos vindo a viver atravessou-se, naturalmente, a
pandemia. Ninguém, repito, ninguém, sabia o que aí viria e como se
defender dela.
Apareceu uma task force com problemas iniciais em que um homem da
armada surgiu como responsável.
No seu trabalho apareceram os negacionistas, os oportunistas, gente sem
princípios humanitários perante os seus concidadãos.
Manteve-se seguro, ouviu as pessoas, deu a cara, afirmou-se, exigiu
quando era tempo de o fazer.
Retirou-se na espuma dos dias, sem alarido ou clamores quando entendeu
que o seu desígnio estaria cumprido. Pessoalmente tenho dúvidas que
esteja mesmo cumprida porque parece-me que há alguma leviandade ao
achar-se que a batalha está ganha. Mas isso não será culpa do vice-
almirante!
Repito: nunca pensei ter de tirar o chapéu a um militar…mas agora tenho
de o fazer. Simplesmente porque numa causa civil ajudou todo um país a
ter possibilidade de morrer menos. E isso para mim…é exercício de
cidadania!