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BAIÃO CANAL - Jornal

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DUAS DE LETRA - Lourdes dos Anjos | Entre ontem e amanhã

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Lembro-me muito bem de ouvir o meu pai dizer que Salreu era uma terra de viúvas de homens vivos porque por aqui iam envelhecendo as fêmeas parideiras enquanto os homens abalavam para lá do fim do mundo
Lembro-me de o ouvir dizer que não aceitaria essa vida porque não era cigano para partir sem eira nem beira deixando a mulher e as filhas e chegar vinte anos depois, com pronúncia espanholada, com uma saca de notas para comprar umas terras e fazer uma casa muito grande mas... sabendo que as "suas mulheres" adormeciam á lareira chorando as dores do luto e acordavam cheias de noite, ao lado dos filhos "orfãos" ... que ele , o pai vivo ,quase não conhecia
Lembro-me que só muito tarde percebi o que o meu pai queria dizer...
Ele, que nunca partiu, viu crescer as filhas e nascer os netos mas nunca comprou quintas, nem fez palacetes.
Morreu , na sua casa, comigo e o seu neto mais velho pedindo que partisse em paz enquanto, carinhosamente , lhe beijava as mãos e o seu médico dizendo que não nos daria os sentimentos mas os parabéns por respirar tanto amor junto do seu doente.
Tal como era sua vontade, repousa na sua terra, no cemitério de Salreu.
Foi assim ONTEM.
HOJE, no meu país, partem os que se recusam ser os escravos dos novos tempos, com direito a diploma e uma mala com rodinhas mais um bilhete comprado para um vôo low cost.
Levam a vontade firme de se transformarem em ramos de enxertia sem raíz e sem chão.
Querem morrer longe deste covil de banqueiros e politiqueiros e empresários rafeiros e exigem ser cremados para não cheirar mal aos vindouros
Como eu percebo esta geração de novos navegadores que recusam ser operários dum país em ruínas onde os senhores mesários das Santas Casas vivem com chorudos vencimentos mensais à custa de rifas e jogatinas mais uns favorzinhos dos amigos da Opus Dei e vão gerindo Hospitais e Creches e Lares e empresas de lavagem de cifrões como quem trata da associação dos bichinhos abandonados sem direito a fazer barulho depois das 22h.
Como eu percebo este desencanto, este pouco amor, este "viver onde calhar,e não voltar".
Depois dou comigo a pensar que amei tanto os meus avós e amo tanto os meus netos e não queria adormecer chorando de saudade pelos meus amores vivos.
Depois penso que a minha geração que conseguiu uma reformita mais uma casita mais um carrito mais uns trapitos que nos fazem parecer melhorzito...come e cala e esconde a sementeira que foi fazendo depois de abril ser mês e ter nome...e teme o senhor doutor malcriado mais o senhor engenheiro enjoado mais o enfermeiro que trabalha aqui e ali e acolá e fica mal dormido e mal disposto mais o jovem que mete prá veia e ressaca fora de horas mais a menina que amuou porque lhe negaram umas sapatilhas XPTO..
Entre toda esta amálgama de gente zangada com a vida e descrente do amanhã que se habituou a ter tudo não sendo nada, restam os profissionais que guardam a velha alma portuguesa e são PESSOAS capazes de dar o melhor de si nos postos de trabalho que ocupam respeitando mas, algumas vezes não sendo respeitados.
É urgente mudarem-se as bafientas mentalidades do quero posso e mando e abraçar o futuro com esperança e humildade repartindo as horas de paz e lutando sempre para que todos possamos ver no horizonte um PAÍS menos desigual onde todos saibam qual é a COR DA SOLIDARIEDADE.
Acredito que ainda será possível multiplicar o amor vezes sem fim, entre gerações que se encontram para cumprir a missão de sermos mais justos e mais felizes.
Nunca esquecerei que ,há gente que , tal como os meus pais, nunca serão gente rica de bens materiais mas são PESSOAS que sabem sorrir para os outros enquanto limpam as lágrimas do seu próprio sofrimento
E EU , QUE NEM SOU MULHER DE FÉ...eu ainda acredito que vamos ser capazes de VIRAR ESTE PAÍS DE PERNAS PARA O AR E O FUTURO PODERÁ SER MUITO MAIS RISONHO PARA TODOS.
FELIZ 2024 PARA TODOS OS QUE ME ATURAM...COM TANTA PACIÊNCIA!