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BAIÃO CANAL - Jornal

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Rita Diogo | Viver abril, hoje e sempre.

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Eu e a democracia em Portugal somos já de meia idade. Se ainda considero que sou nova, que “estou aqui para as curvas e que a idade não me pesa”, tenho que considerar igualmente nova a nossa democracia. Temos ambas muito para crescer e consolidar.

Nasci em 1975, nasci e cresci em liberdade mas conheço a história do meu país, aprendi-a na escola, na família e na minha comunidade, tive felizmente esta oportunidade. Sou mulher, sou livre. Graças à revolução, posso estudar, pude frequentar uma escola pública, vivo do meu salário, posso votar, posso sair do país, viajar, sem o consentimento do meu marido, posso mobilizar-me contra o conservadorismo e fazer-me ouvir, posso abortar em segurança (ainda que recentemente tenham surgido “hospitais amigos dos bebés” que colocam em perigo este direito), tenho acesso a um serviço de saúde gratuito e universal (a fraquejar e cada vez com maiores dificuldades) e tanto mais que abril me deu, que abril nos deu! Só sei viver em liberdade, não conheço outra forma de estar na vida e que sorte a minha, que sorte a de todos e todas nós. Esta sorte foi fruto da luta de tantos e de tantas que marcharam um dia contra a opressão, contra a censura. O 25 de abril restituiu-nos as escolhas, as vozes, as opiniões, todas as cores, todos os formatos de vida.Em 1970, 26% da população era analfabeta e uma em cada três mulheres não sabia ler nem escrever. Em 1971, só 3% da população tinha frequentado o ensino superior. O Código Civil estabelecia que “a falta de virgindade da mulher ao tempo do casamento podia ser motivo para a sua anulação. Os contracetivos não podiam ser tomados contra a vontade do marido, que podia alegar este facto para pedir o divórcio. O aborto era punido com prisão.Os maridos podiam impedir que as esposas trabalhassem e algumas profissões (magistratura judicial, o ministério público, a diplomacia e as forças de segurança) estavam vedadas às mulheres. Só as mulheres solteiras é que podiam ser enfermeiras, telefonistas ou hospedeiras.O Código Civil de 1966 estabelecia que os maridos tinham o direito de abrir a correspondência das mulheres, norma que só foi alterada em 1976. Não, naquele tempo não era bom! Era muito perigoso ser Mulher!Estamos tão habituadas a viver em liberdade que não imaginamos o que seria viver sem ela, mas nada pode ser dado como adquirido. Todos os dias os nossos direitos perigam, não esqueçamos isto.

Há quarenta e nove anos, em vésperas do 25 de Abril, Portugal era um país anacrónico, pobre, com medo. Travava-se uma guerra colonial em três frentes africanas que durou 13 anos, entre 1961 e 1974. Qual era a família que não via partir os seus rapazes com mais de 18 anos? 10 000 soldados mortos e mais 20 000 inválidos, com mais de 100 000 vítimas civis. Durante os anos de guerra colonial, cerca de 90% da população jovem masculina estava no combate. Para os jovens de hoje será talvez difícil imaginar o que era viver neste Portugal de então, onde era rara a família que não tinha alguém a combater em África, o serviço militar durava quatro anos, a expressão pública de opiniões contra o regime e contra a guerra era severamente reprimida, os partidos e movimentos políticos estavam proibidos, as prisões políticas cheias, os líderes da oposição ao regime estavam exilados, os sindicatos fortemente controlados, a greve interdita, o despedimento facilitado, a vida cultural era parca e sob vigilância.

Felizmente posso falar da minha experiência pós 25 de Abril, pois graças à Revolução dos Cravos podemos hoje usufruir de uma liberdade de expressão que não existia.  Inúmeros são os símbolos da liberdade alcançada com uma revolução pacífica, sem confrontos nem baixas civis. Este é um dos grandes orgulhos de ser portuguesa: alcançar a liberdade através de uma revolução pacífica, facto quase inédito para qualquer cidadão do mundo.

Há tanto abril por cumprir. É fundamental não deixar esquecer a história de revolução, mantendo-a viva na memória coletiva e lembrar todos os dias que a palavra é uma arma. Sem o 25 de abril ser-me-ia vedada a oportunidade de escrever crónicas como esta!