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BAIÃO CANAL - Jornal

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SOCIEDADE | Prisão domiciliária | Paulo Esperança

PAUL ESP FOTO

PRISÃO DOMICILIÁRIA? 

Não vou discorrer sobre o negacionismo, sobre a incúria de quem anda na rua ao deus dará, muito menos de quem acha que se pode dar ao luxo de achar que a saúde dos outros não conta para nada.

Nestes tempos conturbados apetece-me falar de diversos comentários que, de forma paulatina, atravessam os meios de comunicação social.

O Estado de Emergência, o Confinamento e tudo que está associado a estas situações são apresentados como possíveis causadores de diversas patologias do tipo: distúrbios psicológicos ou psíquicos, problemas de isolamento, desarranjos na saúde mental das camadas mais jovens, etc.

Não enquadro aqui quem vai de Campanhã a Vilar de Andorinho comprar o pão diário...só porque é feito em forno de lenha. Muito menos de quem vai para a baía de Cascais passear uma trela...argumentando que o cão ... fugiu!

E não comento porque todo(a)s sabemos do que o povo português é capaz! Tanto mata o Rei como organiza um atentado destinado a eliminar Salazar.

Somos um povo que, de facto, para o bem e para o mal, sabe inventar!

Voltemos aos aduzidos argumentos sobre as dificuldades, prejuízos e consequências derivadas da emergência e do confinamento.

Não se desconhece que estar distanciado da família e do(a)s amigo(a)s, vê-los à distância, não lhes dar o abraço ou beijo há muito desejado é constrangedor.

É evidente que estar fechado em casa não agrada a ninguém e é potencialmente gerador de alguns naturais desequilíbrios e depressões.

Não ir ao “Piolho”, não passear pela Casa da Música custa...e muito!

Sendo tudo isto verdade e penalizador, é necessário analisar outros lados.

Em primeiro lugar parece-me algo egoísta e redutor não se assumir que, para muitos de nós, é um privilégio podermos ficar em casa. A minha questão é a seguinte: e quem não tem casa? Que confinamento saudável e estável tem condições para fazer? E quem ficou no desemprego ou viu limitado o seu acesso aos rendimentos auferidos pelo seu trabalho?

Mas temos mais: a sociedade atual dispõe de meios de comunicação que não existiam há duas dezenas de anos. Claro que nada substitui o contacto pessoal porque os afetos precisam de olhares e de sorrisos.

Mas estamos num estado de resistência. E isto é que é necessário ter em conta. Mais a mais porque é preciso assumir-se que a vida humana não pode ser baseada no imediatismo. Para quem quer ter futuro tem, necessariamente, de se cuidar no presente porque atrás dos tempos vêm tempos e outros temposhão-de vir.

Vou fazer sessenta e seis anos e desde os dezassete anos que ando envolvido em guerras. Nunca estive quase um ano a ver voar os passarinhos com as mãos nos bolsos.E isso custa-me! Mas racionalizo e digo: terei muito tempo para outras guerras se me cuidar agora.

E para a consolidação deste processo de resistência vem à colação um livro: “Abril - Vivências na Clandestinidade” de Domicília Costa. Leiam-o e percebam o que é resistir. Acompanhou os pais, funcionários clandestinos do PCP desde 1953, viajando por inúmeros locais e casas sem qualquer contacto com as crianças da sua idade.

Que é feito dela! Aí continua, rija, pronta para as lutas que valham a pena!

Claro que não somos todo(a)s iguais. Há gente temperada como o aço!

Mas se pensarmos em quem esteve anos e anos preso em Peniche ou Caxias, se nos lembramos de quem andou fugido nas sombras da noite durante meses e anos a fio...talvez nos possamos dar ao luxo de dizermos...ok, a emergência e o confinamento são uma chatice...mas no fim de contas sou um(a) privilegiado(a) ...simplesmente porque o posso fazer!


Paulo Esperança