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BAIÃO CANAL - Jornal

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SAÚDE | Rita Diogo | A literacia em saúde mental

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A saúde mental pode ser definida como “um estado de bem-estar no qual o indivíduo desempenha as suas capacidades, pode lidar com o stress, trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de contribuir para a sua comunidade” (World Health Organization, 2001). Neste sentido, a saúde mental é o pilar para o bem-estar e funcionamento dos indivíduos e da comunidade, exercendo um papel importante nas relações interpessoais, na vida familiar, na integração social e até na participação económica. Apesar da elevada prevalência das perturbações mentais verifica-se ainda um reduzido conhecimento sobre questões de saúde mental, na população em geral, comparativamente às questões que englobam a saúde física.

O conceito de literacia em saúde mental pode ser definido como o conhecimento e crenças sobre problemas e perturbações mentais que favorecem o seu reconhecimento, gestão e prevenção. É um conceito que abrange os conhecimentos relativos aos fatores de risco das perturbações mentais, à capacidade de reconhecimento das mesmas, às intervenções de gestão em momentos de crise e o conhecimento sobre atitudes que promovam a procura de ajuda. Assim, a promoção da literacia em saúde mental constitui-se como uma estratégia fundamental de promoção da saúde mental, no âmbito da prevenção, intervenção precoce e tratamento, contribuindo para a diminuição da carga de incapacidade provocada pelos problemas de saúde mental e para a diminuição de atitudes estigmatizantes face às perturbações mentais. O reduzido nível de literacia em saúde mental, associado ao estigma e preconceito contribuem para o agudizar das perturbações mentais, na medida em que impedem o reconhecimento precoce das mesmas e influenciam o comportamento de procura de ajuda.

O estigma associado às perturbações mentais é considerado como um dos principais obstáculos à promoção da saúde mental, atuando a vários níveis (individual, familiar, laboral, escolar, nos meios de comunicação, nas comunidades e nas políticas sociais), sendo apontado como um dos fatores que explicam o atraso na procura dos serviços de saúde e sendo reconhecido como um preditor significativo da evolução e do impacto das perturbações mentais. Um dos desafios para a saúde mental prende-se com o combate ao estigma associado às perturbações mentais e tal pode ser conseguido através de uma adequada literacia em saúde mental.

Se pensarmos nos anos de existência da Psicologia como ciência, não percebemos muito bem porque ainda permanece o estigma relativamente a “ir a uma consulta de psicologia”. O que diferencia a dor física, que nos leva a um médico, da dor que emana dos nossos problemas internos? Porque razão vamos facilmente ao dentista quando nos dói um dente e adiamos a marcação de uma consulta de psicologia? Todos nós já passámos por situações destas: uma tristeza que parece não querer deixar-nos, uma sensação de frustração que nos imobiliza ou uma raiva tal que, irritantemente, nos leva a reagir contra as pessoas ou situações. Normalmente, passados uns minutos, umas horas, uns dias, já regressámos ao nosso “estado normal”. Mas e quando ficamos presos a estas emoções negativas e nada parece conseguir libertar-nos delas? Um dos grandes problemas reside no adiamento que se faz da procura de ajuda. As redes de apoio familiar e social ajudam imenso mas, na verdade, há uma enorme diferença entre uma conversa com um bom amigo, por melhor conselheiro que ele seja, e a ajuda especializada de alguém que conhece e domina várias teorias sobre o comportamento e pensamento humanos e que consegue realizar uma intervenção adequada ao problema apresentado. Muitas vezes, não conseguimos especificar o que nos deixa tensos, irritados, tristes, sem vontade de fazer nada... é também nestas situações que se torna importante pedir ajuda especializada, recorrer a alguém capaz de explicar a origem de alguns problemas através dos sintomas apresentados.

Costumo dizer a quem me procura que a marcação da consulta é, por si só, a resolução de grande parte das questões que trazem alguém até mim. De facto, reconhecer que se não se está bem, que se passa algo que perturba o quotidiano, as rotinas e as tarefas diárias ou que se pretende entender-se melhor é o primeiro grande passo para ser ajudado.

É fundamental ajudar as pessoas a perceber qual o limiar entre uma simples tristeza, nervosismo, ideia fixa e qualquer outra coisa que seja uma depressão, uma ansiedade incapacitante ou fobia, uma obsessão... e como se faz esta distinção? Os sintomas que se sentem interferem nas tarefas diárias? Há alturas em que as pessoas já não se reconhecem, não reconhecem as suas reações, pensamentos e comportamentos, nem tão pouco conseguem explicá-los. Esse é o momento de ir ao psicólogo/a. Mas também posso ir a uma consulta de psicologia para me conhecer melhor, para conseguir reconhecer os meus pontos fortes e pontos fracos, para direcionar o meu esforço para os objetivos certos. A promoção do autoconhecimento e do desenvolvimento pessoal é também um bom motivo para marcar uma consulta de psicologia.

Rita Diogo, Psicóloga