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BAIÃO CANAL - Jornal

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OS PEQUENOS TAMBÉM SÃO GRANDES | Aníbal Styliano | Sentir o futebol

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Depois do tempo dos relatos na rádio, que permitiam a cada um ver o “seu” jogo, transmissões televisivas, a princípio raras e atualmente várias por dia, mudaram a forma de sentir o futebol. Perderam-se “deuses” e sonhos; agora alimentamo-nos de rotinas cansativas. A publicidade é terrível! A excelência cede lugar à normalidade e a jogada inesquecível é substituída por outra ainda mais original. Nem há tempo para saborear. A tecnologia pulverizou distâncias e uniformizou projetos de jogo. Os adeptos trocaram a proximidade dos ídolos pelos salários exorbitantes dos craques à distância de milhares de quilómetros.

Das entradas como “bando de pardais à solta”, despareceram muitos espaços livres para convívio e padroniza-se velozmente a forma de assistir: cada um na sua cadeira. Em casa, os sofás amontoam-se com a família, os amigos e não faltam palpites, comentários e críticas mais duras aos que falham golos ou passes perdidos: “Até eu marcava!”.

Como “tudo é composto de mudança”, a linguagem futebolística deixou-secontaminarpor uma novilíngua. George Orwell avisou do perigo que é real, porque impede o pensar em liberdade e acrescenta riscos de alienação!

Os dribles, dobras e coberturas cederam perante a largura e a profundidade.A desmarcação cedeu à pressão, a identidade e os duelos vão desaparecendo. O espaço de jogo é cada vez mais inflacionado pelo aumento da procura. A mobilidade aperfeiçoa a dinâmica e o contra-ataque passa a transição rápida. A movimentação coletiva implica dinâmicas diferenciadas, assim como a organização do jogo para controlar o espaço e a bola.

A reação à perda da bola ganha cada vez mais importância para a recuperar e regressar à organização ofensiva para criar espaços para finalização, em função dos jogadores de referência na área adversária. As táticas são mais fluídas e do 3x4x3, muda-se para o 5x3x2, ou mesmo o 4x3x3, de forma imparável… As diferenças diluem-se e tornam-se hábito.

Mas há sempre quem consegue improvisar, inventar um movimento que ilude o adversário e surpreende tudo e todos. São cada vez mais raros, mas ainda existem artistas que não perdem a bola. Normalmente são aqueles que ainda fazemreceções orientadas com a cumplicidade do esférico. Há equipas mais pragmáticas, com espaços definidos para cada um, e outras que nunca param,comsistemáticas trocas de posição.

Há quem aborde os princípios esub-princípios do jogo, diferentes periodizações, fatores de desequilíbrio, equipas com características definidas e quem prefira o jogo direto. Uns falam do modelo de jogo, outros preferem padrões, mas no fundo quem gosta de futebol (para além do clubismo) pretende emocionar-se com um passe inesperado, uma desmarcação surpreendente, um lance ao primeiro toque em velocidade, um golo impossível ou um voo do outro mundo de um guarda-redes que supera as leis da gravidade. E quanto mais cedo tivermos a oportunidade de memorizar lances fantásticos, mais colaboramos na imortalidade do jogo em que onze jogadores de cada lado disputam a posse de uma bola, para ganhar um jogo. Em momentos históricos, já houve jogos em que países que estavam em guerra e as suas equipas disputaram uma partida numa prova internacional, todos os jogadores deram uma importante lição aos governantes e ao mundo. Nessaépoca o futebol esteve prestes a ser um candidato a Prémio Nobel da Paz... Mas há sempre quem não o entende como linguagem universal onde, sem falar, apenas com o olhar e a expressão facial, todos se entendem completamente.

O futebol será sempre um espaço de inteligência em movimento. Nunca se pode repetir um jogo porque é único. Desde o apito inicial, a sorte (ou o destino) está lançada.

Se cada jogador se transforma num elemento especial, os adeptos e espectadores devem confiar no que estão a ver. Por vezes, quem comenta acrescenta pormenores parciais, podetentar alterar a percepção dos lances repetindo com insistência, para criar uma ilusão que acaba por se tornarnuma falsa realidade. Por isso, a velocidade com que se criticam árbitros, a relação de factos ocorridos no passado com o jogo do presente (sempre guardados para ocasião escolhida), as insinuações que “especialistas” mantém em lume brando e só usam quando oportuno, é muito intensa. Raramente, uma equipa de arbitragem recebe as felicitações pela sua ação! Será por esquecimento? É impossível (mesmo com tecnologia a auxiliar) acertar sempre ao longo de 90’ (mais o tempo extra) quando numsegundo cada um vê de forma diferente, em função do espaço em que se encontrae tem de decidir.

Sintam o jogo. Valorizem os lances de qualidade. Puxem pela vossa equipa sem perder tempo a insultar “os outros”, garantam-lhes confiança e, no fim reconheçam o esforço independentemente do resultado. Nós somos uma só equipa!

Grandes são os clubes que apoiam sempre a sua equipa.

É raro o adepto que diz: “A minha equipa joga hoje”. Sempre diz: “Nós jogamos hoje”. Este jogador númerodoze sabe muito bem que é ele quem sopra os ventos de fervor que empurram a bola quando ela dorme, do mesmo jeito que os outros onze jogadores sabem que jogar sem adeptos é como dançar sem música.” Eduardo Galeano.

Aníbal Styliano (Professor e comentador)

 

 

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