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BAIÃO CANAL - Jornal

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Odete Souto | No reino das dúvidas.

Odete Souto

Estamos a terminar mais um ano letivo e as interrogações que se me colocam são cada vez maiores. O que estamos a fazer com as nossas crianças e os/as nossos/as jovens? Que crianças e que jovens estamos a criar? Que autonomia e responsabilidade lhes damos? Que “armas” para se construírem como pessoas, livres, conscientes e responsáveis? Que futuro? Que valores?

Estas interrogações povoam a minha mente e avolumam-se a cada dia que passa. E têm vindo a ser espicaçadas, não só pela realidade que vivencio na escola enquanto profissional da educação, como por notícias que vêm a lume e que, mais do que os pormenores recambolescos com que nos querem entreter, nos devem fazer refletir.

Destes episódios, relevo o caso do bebé Noah, que esteve desaparecido durante trinta e seis horas e o dos oito recrutas que foram internados, após cinco dias de instrução. Que questões poderão estar aqui em jogo?

Criamos a sociedade do risco, espalhamos o medo a cada esquina e hiperprotegemos. Isto é, de alguma forma vamos ceifando a vida às nossas crianças e aos nossos jovens. Vamos-lhe tirando autonomia, resiliência e saber. Roubamos-lhe a rua, em nome do risco, mas demos-lhe um sofá e um ecrã, por onde paira a maior das solidões e os perigos espreitam, não só na sua saúde física, por inatividade, mas também na sua saúde mental, por excesso de estímulos e por comportamento adito, para não falar dos predadores que por ali andam e da facilidade com que se copia e cola, sem reflexão nem investimento pessoal.

Quando analisamos o fenómeno de resistência de uma criança que ainda não completou três anos de idade, durante trinta e seis, caminhando longas distâncias, não podemos deixar de pensar que esta sobrevivência não é independente da forma como foi criada, da aprendizagem que foi fazendo através do contacto com a natureza, da margem de liberdade e de risco. E foi criando as resistências que a ajudaram num episódio mau da sua tenra idade. E o final feliz do bebé Noah talvez se deva a isto.

Por outro lado, os oito recrutas, expostos a uma situação extrema, cederam e foi necessário hospitalizá-los. Da mesma forma que, numa saída de campo, um grupo de jovens alunos/as, de doze / treze anos, ao fim de meia hora de caminhada já não e arrastavam… Ou o espetáculo a que assistimos na entrada da escola, em que crianças e jovens são levadas até ao portão, de carro, porque não podem andar a pé. Ou os pais ou as mães que os esperam e lhes carregam as mochilas porque nunca os deixam crescer. Ou nos parques infantis onde só se ouvem os apelos dos adultos que não… porque é perigoso.

E não percebemos porque é que as nossas crianças, os nossos alunos e as nossas alunas não querem nada com a escola e com o saber, escolar ou não. Cada vez se dedicam menos e cada vez fazem menos esforço. E fazemos adaptações e readaptações. E aplicamos medidas de suporte à aprendizagem e papéis e mais papéis, e saem-nos “pérolas” que nos deixam, muitas vezes, estarrecidos/as. E temos sucesso escolar em pauta. Mas a questão que se coloca é que sucesso é este? Que aprendizagens e que desenvolvimento têm? Que conhecimentos?

É fundamental que se faça uma reflexão muito profunda sobre a infância e a educação. É importante que se repense o papel e o tempo da família? É importante que se repense o tempo das crianças e o tempo de brincar.

É urgente que se inverta o paradigma, sob pena de estarmos a comprometer o futuro de uma geração. E não vale a pena andar a procurar culpas.

 

Maria Odete Souto

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