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BAIÃO CANAL - Jornal

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Odete Souto | A Família, uma instituição em evolução

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Quando falamos de Família falamos de uma estrutura que, ao longo dos tempos, tem tido diferentes representações. Durante séculos, a visão da família era vista, pelo menos nas sociedades ocidentais, numa perspectiva romântica, de família nuclear e quase triangulada, sendo que em lugar preponderante se encontrava o pai, depois a mãe e depois, os filhos. Falamos aqui das sociedades patriarcais, em que o homem era o chefe da família, dono e senhor. A mulher tinha um papel secundário e as crianças, até por razões afectivas ocupavam um lugar muito inferior na estrutura familiar e na sociedade. Não nos podemos esquecer que a taxa de mortalidade infantil era enorme e as relações de vinculação e afeto eram “construídas” com o crescimento, como forma de sobrevivência à perda. As crianças eram tidas como “homúnculos”, como “ainda nãos”, como homens e mulheres de futuro.

Diga-se em abono da verdade que falamos das famílias ocidentais e da sociedade ocidental. Outras organizações familiares existiam e existem em sociedades orientais, africanas e/ou tribais.

Os finais do séc. XIX e  inícios do séc. XX trouxeram grandes inovações, a saber: a descoberta e disseminação da vacina e a melhoria da alimentação diminuiu a mortalidade e, muito particularmente, a mortalidade infantil, o que permitiu que a perda e o luto se tornassem menos obstrutivas à criação de afetos e a colocar a criança como membro da família desde sempre; as ideias de igualdade de direitos da mulher, a descoberta dos métodos contraceptivos e a entrada da mulher no mundo do trabalho, trouxeram outras tantas reformas e transformações, quer a nível da estrutura e dinâmicas familiares, quer a nível da organização social.

A mulher passa a depender menos economicamente do homem, caminha-se para a igualdade de direitos e a introdução do planeamento familiar conduziram a uma diminuição da natalidade. As crianças começam a escassear e tornou-se imperativo protegê-las.

A Convenção dos Direitos da Criança veio afirmar a criança como sujeito de direitos humanos. É o documento mais universal algum dia feito. Foi subscrito por quase todos os países.

Isto traz uma nova visão de família onde já não cabem as expressões: “cresce e aparece” ou “canalha não vai a votos”, entre outras, depreciativas e desqualificantes da condição de ser criança como sujeito de direitos.São os direitos humanos das crianças que se afirmam.

Se antes falávamos de uma família patriarcal em que ao homem competia ganhar para casa, sustentar a família, e à mulher a vida doméstica e o cuidar dos filhos, começamos e ter um outro olhar sobre a família. Homem e mulher trabalham, dividem tempos e partilham tarefas.

São os afetos o grande pilar da família e esta perspetiva traz-nos uma verdadeira revolução na forma de ver a família enquanto estrutura nuclear e fundamental. Mas permite-nos, também, perceber novos modelos de família.

Se os afetos passam a ser o denominador comum e fundamental, se a lei evoluiu ao ponto de aceitar o divórcio e acabar com os litígios enquanto permite que, mesmo um divórcio não consentido possa ser feito, há claramente um salto civilizacional. A família é família biológica, mas é, sobretudo, família de afetos, biológica ou não.

Abandona-se, também, esta ideia quase obsessiva, que família é a família nuclear, composta por pai, mãe e filhos.

Com a legitimação da dissolução dos casamentos e mais ainda com a aceitação das famílias homossexuais, a transformação social em curso é imensa. Temos novos modelos de famílias e todas elas podem ser funcionais e estruturadas. Podemos falar de família biológica, nuclear e/ou alargada; monoparental ou biparental; heterossexual ou homossexual ou ainda outras formas de organizações familiares. Todas podem ser funcionais ou disfuncionais, estruturadas ou destruturadas em função das relações interpessoais e intrafamiliares que conseguem estabelecer, dos rituais e rotinas que estabelecem, porque são estes que são securizantes, geradores de laços de afetos e de agregações adequadas e fortes, se adequados e saudáveis.

Claro que estes novos modelos de famílias trazem alguns problemas, não tanto por eles, mas porque, maioritariamente, não temos uma sociedade preparada para a aceitação e o respeito pela diferença.

Há um longo caminho a percorrer.

 

Maria Odete Souto