OBLIQUIDADES (4) | Jaime Milheiro
Integrados numa cultura que, na tentativa de remendar as perversidades que por toda a parte circulam, alimenta dispendiosíssimos enredos à volta de coisa nenhuma, dificilmente avaliamos a ilusão de muitas das motivações que nos procedem.
Inúmeras organizações e pessoas reforçam-se e reforçam-nos nesse sentido, enclausuradas nas estreitas canalizações do que pretenderíamos ser. Funcionam nas aparências, desbaratam longitudes, atrofiam objectivos...
(Patrocinam emboscadas,
fanfarronam armadilhas,
abençoam falcatruas…)
sempre encavalitadas em magníficos retratos
e sempre pavorosamente esquecendo algumas essências fundamentais da civilização inteligente a que dizem pertencer.
Na novidade dos comprimidos e nos apregoados horizontes dos paraísos anunciados, creditam-se ninharias, cultivam-se bugigangas, repenicam-se-se magias, desembrulham-se missangas, jamais interrogando ou esclarecendo a pobreza de oportunismos comerciais...
(Inundações e pastagens,
figurinos e sistemas,
esteticidades e lixos…)
elevados à categoria de matriciais necessidades.
Tudo estará de passagem, tudo será idêntico em toda a gente, tudo serão momentos a terminar na curva seguinte, sem conteúdo, sem peso, sem fermento, num usar e deitar fora despido da mínima consistência que multiplica dinheiros e facturas...
(Todos marcharemos de remédio
em remédio,
até ao remédio final...)
vincando quanto os seres humanos, mesmo na super-instrução e qualificação do século XXI, estranhamente dependem de engodos sem alicerce e se descuidam de os perceber.
Há inúmeras mentiras nas vendas e nas encomendas.
Para além das lamentáveis afirmações com que frequentemente galanteiam superlativas benfeitorias nas pessoas e nos grupos, particularmente utilizáveis nas relações familiares, nas relações sociais, nas relações em geral, até nas perspectivas de futuro...
(Todos inconscientemente desejam
mães alegres e descontraidas,
a cantarolar regozijos
no embalo das seduções…)
semeiam dados absurdos sem qualquer crítica ou julgamento.
Exclusividades narcísicas, opacidades asininas, explorações disfarçadas, constituem o poço sem fundo desses enganos auto-reproduzidos, ninguém tendo força sozinho para remar contra a maré
embora seja sempre possível fazer alguma coisinha e à sua maneira todos possam contribuir…
(Na circunstância de cada um… )
para derrubar inúmeras imposturas que nos entorpecem.
JAIME MILHEIRO
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