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BAIÃO CANAL - Jornal

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O DOMADOR DE PALAVRAS | Eduardo Roseira

Eduardo roseira

Mário Viegas, actor de génio e coragem

            Qual tipo “dois em um” e de forma a evocar o dia Mundial do Teatro que se comemorou a 27 de Março e o Dia das Mentiras no dia 1 de Abril, quero falar-vos de uma pessoa que a brincar, a brincar, levou a vida a sério, daí que lhe dedique este poema de Brecht, antes de falar dele:

 

“Há homens que lutam um dia e são bons
Há outros que lutam um ano e são melhores
Há outros que lutam muitos anos e são muito bons
Mas há os que lutam toda a vida.
Esses são imprescindíveis.”

            Há vinte e cinco anos, no dia 1 de Abril de 1996, fazia madrugada e um tipo que tinha nascido em Santarém, em 1948, resolveu pregar-nos uma partida própria do Primeiro de Abril.

 

            Para alguns, ele era um tipo assim a atirar para o “esquisito”, pois sempre foi ligado a fazer CENAS; PEÇAS e outras coisas que tais e às vezes até fazia FITAS.

 

            Porque não era gajo para andar só, não esteve com meias medidas e “arranjou” uma…. duas…. três… COMPANHIAS.

 

            Concerteza que não foi pelas CENAS, FITAS, PEÇAS ou mesmo até pelas COMPANHIAS que passados estes anos após a sua morte, poucos, muito poucos, são os que dele se lembram, ou será que se sentiram magoados com um gajo que resolveu morrer no dia das mentiras,….se calhar é verdade. Foi por isso?!...

 

            Era um de Abril, já lá vai um quarto de século, que muito ao seu jeito de “bom/mau da fita”, o actor Mário Viegas resolveu pregar-nos uma partida de Abril e rumou destino a outras paragens, sem se despedir cá da malta.

 

            Mário Viegas, actor, declamador, Homem de coragem, fundou três COMPANHIAS de Teatro. No palco interpretou, entre outros, Beckett; Tchekov, Beckett, Pirandello, Beckett, sempre Beckett, se a memória não me atraiçoa, pelo menos sete vezes o seu adorável Beckett.

            Interpretou alguns dos mais importantes papéis em peças de Baal, Hamm, Krapp, Vladimir, Wang, entre outros. Encenou peças de Eduardo de Fillipo, Bergman, Tchekov, Strindberg, Pirandello, Peter Shaffer e Beckett – sempre e inevitavelmente, Beckett!

            Viegas adorava – e revia-se – tanto no estilo dramático do autor de “À Espera de Godot” que chegou a encenar oito peças deste Prémio Nobel.

 

No cinema, fez uma dezena e meia de filmes, estreando-se com “O Funeral do Patrão” de Eduardo Geada, mas os seus maiores sucessos foram “Kilas, o Mau da Fita” de Fonseca e Costa, “A Divina Comédia” de Manoel de Oliveira e “Afirma Pereira” de Roberto Faenza, onde contracenou com Marcelo Mastroiani, também já desaparecido.

 

            Fez também muita rádio e televisão, onde se destacaram os programas de poesia. Poesia que amou, disse e divulgou, tanto a de autores estrangeiros como especialmente a de poetas da lusofonia. Para além de a divulgar, ensinou-a.

 

            E foi na madrugada do Dia das Mentiras – O actor Mário Viegas morria na Unidade de Infecto-Contagiosas do Hospital de Santa Maria em Lisboa.

            António Mário Lopes Pereira Viegas era natural de Santarém, onde nasceu em 10 de Novembro de 1948.

 

Amante da Poesia, Mário Viegas gravou cerca de duzentos poemas em catorze discos, onde o podemos ouvir dizer Luís de Camões, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Almada Negreiros, Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Alexandre O’Neill, Pablo Neruda e muitos outros.

Tendo assumido a responsabilidade de divulgar poetas e humoristas, tais como Mário-Henrique Leiria, Luiz Pacheco e Pedro Oom.

Além-fronteiras, Viegas deuespectáculos em Moçambique, Macau, Espanha, Bélgica e Holanda.

 

Um episódio caricato marca o ano da Revolução de 1974:

- Filipe La Féria e Mário Viegas decidem levar à cena a peça “Eva Péron” de Copi, no Teatro da Feira da Ladra. Durante os ensaios Viegas é chamado à Embaixada da Argentina, onde lhe disseram que este país ameaçava cancelar as exportações de carne de vaca e de milho, caso a representação se concretizasse. “Por motivos de interesse nacional”, a estreia de “Eva” foi cancelada e a companhia dissolveu-se.

 

O seu percurso foi alicerçado no seu imenso amor pela cultura, o que lhe granjeou diversos prémios de prestígio e popularidade da imprensa. Em 1993, a Câmara Municipal de Santarém atribuiu-lhe a Medalha de Mérito da Cidade, em 1994 o então Presidente da República, Mário Soares, ordenou-o Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, enquanto a Câmara Municipal de Lisboa, deu o seu nome, com ele ainda vivo, à sala-estúdio do Teatro de S. Luiz.

 

Apesar de tudo, passados vinte e cinco anos sobre a morte de um “actor de absoluto génio”, poucos tem sido os que fazem por recordá-lo. Até porque, como Viegas disse um dia:

“- Dos poemas, dos escritores, ficam os livros editados, as palavras escritas; dos actores fica a memória, mas essa morre com as pessoas!”

 

As próximas palavras são dirigidas a ele:

            - Mário, agora que andas a fazer cenas noutras paragens, espero que me ouças bem:

         - Olha, deixa-te de merdas! Fica sabendo que ainda restam por cá muitos gajos com memória que não se esquecem de ti e dizem mesmo, que quando fizerem parte do teu “novo círculo eleitoral”, vão votar em ti, assim tu te candidates!

         Um abraço e até um dia destes!...

         - Ah, já me esquecia, não gastes o “GIN TÓNICO” todo, guarda algum para nós.

 

            Agora, peço-vos que imaginem a ironia e os gestos, como se estivéssemos a escutá-lo a dizer este poema:

 

                                      FÁBULA

 

                                  O lobo foi ter

                                com a galinha

                                 e disse-lhe:

 

                      “Devíamos conhecer-nos

                        melhor para vivermos

                      com amor e confiança.”

 

                     A galinha achou bem

                        e foi com o lobo.

               Foi por isso que as suas

                penas ficaram espalhadas

                         por todo o lado.

 

Mário Viegas, mais do que actor e declamador, foi um verdadeiro “Domador de Palavras”!

 

Eduardo Roseira