Natércia Teixeira | In Grãos de Pimenta Rosa
Caixa de Pandora
...O percurso até ao teu mundo é sinuoso como tu próprio.
Não é de fácil acesso.
Alcança-lo requer tempo, esforço e determinação.
Um lugar mágico…impercetível e impenetrável a almas desatentas e pouco expeditas.
Descemos a montanha e no vale escondia-se a tua morada de xisto...parecia um lugar encantado, suspenso no tempo.
Os últimos raios de sol misturavam-se nas águas cristalinas do rio, que corria debaixo da ponte centenária, conferindo-lhe um tom dourado escuro.
Estranhei… mas a melodia daquelas águas translucidas a deslizar entre os seixos polidos de diferentes matizes, era o único som audível naquele paraíso, onde mesmo os pássaros pareciam emudecidos a observar-nos, numa quietude intrigada.
A sensação que tinha era essa…estar a ser observada…centenas de olhos postos em nós… a receber-nos e a avaliar-nos…e a perceção de tudo ter parado à nossa chegada.
Escolheste um caminho pedonal, na margem do rio, que passava por debaixo da ponte e a atravessava como um túnel, um acesso direto ao alpendre da tua casa, tão estreito e baixo que te sentia colado a mim e com a mão sobre a minha cabeça, para me protegeres.
Demos aqueles passos em silencio, a absorver o momento e a relembrar os vividos noutras vidas.
Olhava-te e ao teu mundo, num reconhecimento…um retorno a casa, tão desejado e esperado que quando acontece nos dá aquela sensação de aconchego, de paz, tranquilidade e segurança que apenas o que nos é familiar, proporciona.
Sentamo-nos na cadeira de baloiço em silencio, aspirando o ar puro e vendo o sol deitar-se entre as montanhas…um entardecer que coloria a vegetação que nos envolvia de cambiantes únicas.
Uma leve brisa, como um sopro de vida, despertou a natureza entorpecida…as folhas dançaram nas árvores…um sapo coaxou qual tenor a dar o mote ao coro de pássaros que dos ninhos chilrearamruidosamente em despedida ao dia que partia…ao longe um latido...um uivo...um chamamento, um apelo da natureza…as boas vindas à noite que chegava.
A tua mão veio em direção à minha…senti o calor que dela emanava...seguraste-a com força...senti mel percorrer-me as veias.
Ficamos assim, naquele enlevo, não sei quanto tempo… absortosem pensamentos…envoltos por sensações e na penumbra que, entretanto, descera ao vale.
Nascia sobre as nossas cabeças um teto de estrelas e uma lua cheia que iluminava tudo à nossa volta...disseste-me que era hora de jantarmos e apontaste para um cesto de piquenique depositado na mesa de pedra do alpendre.
Ri-me,adivinha-te os recursos…de mãos dadas caminhamos rumo à margem do rio... sem antever que lá descobriria a minha caixa de Pandora.
Natércia Teixeira | In Grãos de Pimenta Rosa
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