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BAIÃO CANAL - Jornal

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Natércia Teixeira | Confiança

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... Deixei-me ficar na cama, embalada por pensamentos e perdida em antevisões.

Aconchegada pelo carinho do Eros, acabei por adormecer novamente num sono leve, povoado de sonhos e premonições.

Via-me sozinha a descer a encosta de uma serra.

Ao fundo um grande lago pintado de negro pelo reflexo do céu carregado pela borrasca que se aproximava.

Descia o mais rapidamente que podia, para me tentar antecipar à tempestade que pressentia nas minhas costas...uma vã tentativa de fugir ao temporal…à solidão que sentia no peito, ao sabor do medo e do abandono.

Sabia não haver escapatória…uma carga de água, prestes a alcançar-me iria abater-se sobre mim.

Corria em direção ao lago sem nenhum propósito e também não procurava refúgio no arvoredo que me rodeava.

A chuva começou a fustigar-me e eu continuava em debandada.

Relâmpagos riscavam o céu cinza escuro e os trovões explodiam por cima de mim.

Eu continuava em fuga sem avistar um porto de abrigo.

O bater do meu coração...o meu próprio ofegar, misturavam-se com o ruído da tempestade que me perseguia.

Outro som sobrepôs-se e despertou-me daquela angústia...um som insistente e desconectado daquela realidade paralela...o som de chamada no meu telemóvel.

Aturdida e confusa peguei-lhe...era da biblioteca...significava que já passava das nove da manhã e devia haver alguma notícia sobre o meu pedido de licença.

Precisava de me recompor e decidi não atender, retornaria a chamada mais tarde.

Levantei-me, bebi água e fui refrescar-me.

Liguei a televisão e a música serpenteou no espaço.

Devidamente recomposta e calma, devolvi a chamada...intuía que o motivo do contacto era o passaporte para a minha nova vida.

A colega que me atendeu confirmou, sem surpresa, a necessidade da minha presença no sector de recursos humanos para formalizar o procedimento da minha licença, surpresa foi a abordagem que se seguiu.

Cautelosamente e desculpando-se pela intromissão, questionou-me sobre o destino que iria dar à minha casa durante o tempo de ausência.

Apanhada de surpresa, confessei não ter ainda decidido nada e exprimi disponibilidade para aceitar propostas, o mote perfeito para a minha colega, alegremente me comunicar que tinha a solução perfeita para o problema.

Quem me vinha substituir seria uma conhecida dela de Cascais, que pedira a transferência porque o marido, enólogo, iria realizar um trabalho numa quinta aqui próximo.

Esse casal, tinha absoluta necessidade de arranjar alojamento para se instalar rapidamente, portanto, no caso de eu estar na disposição de alugar temporariamente a minha casa, ambas as partes beneficiariam com a situação.

Confesso que a sincronicidade do universo me deixou perplexa...a ponto de o meu silêncio ser entendido como hesitação.

Entusiasmada e nada apreensiva com a recomendação, agradeci pela inesperada sugestão.

Tudo parecia conspirar a favor dos meus intentos e se encaminhava para que durante a tarde, trabalho e casa fossem assuntos resolvidos.

Depois de desligar, dei com o Eros a olhar-me fixamente...parecia estar a compreender o que se passava, mas não comungava da minha excitação.

Suspirou e ficou sentado diante de mim, estático, a olhar-me e a parecer perguntar-me se tinha a certeza sobre o que me preparava para fazer.

Baixei-me.…abracei-o e sussurrei-lhe na orelha macia: "vai correr bem..."

Abanou a cauda e pareceu convencido.

Dirigir-se alegremente para a cozinha era a confirmação que a apreensão tinha desaparecido e a sua forma de me comunicar um "confio em ti!".

Sorri intimamente...era isso...tudo se resumia a uma única questão: Confiança.

Senti uma muito discreta pressão no peito...uma brisa suave entrou pela janela aberta da cozinha...um subtil arrepio percorreu-me o corpo...um ínfimo ponto brilhante de duvida acendeu-se na minha mente.

E eu?.... Eu confiava?

 

 In Grãos de Pimenta Rosa

Natércia Teixeira