Natércia Teixeira | "Chegamos ao Cabo das Tormentas quando o tempo que nos resta é menor do que aquele que já vivemos."
Chegamos ao Cabo das Tormentas quando o tempo que nos resta é menor do que aquele que já vivemos.
O Dom Juan cinquentão estremece… “la femme fatale” indaga sem ingenuidade se o objeto do seu desejonão apreciará mulheres mais jovens.
Não serão a falta de cabeças a voltarem-se quando passamos, a maior preocupação neste processo…será, no entanto, uma inquietação já que não existe qualquer glória na decadência.
Envelhecer é um percurso natural que se inicia quando se nasce e termina quando se morre, inevitável e incontornável.
Inevitável também causar inseguranças, angustias e incertezas, compreensíveis quando se sabe estar a meio caminho de um término.
Pesem embora os cabelos brancos e as rugas de expressão, raramente são elas a confrontar-nos com a realidade…quase sempre são os outros…mais que as “dores” que vão e vêm como visitas, a lembrar-nos que estamos “velhos”.
Começa no dia em que somos apanhados desprevenidos pelo pasmo de um jovem que estranha as all star que calçamos…continua com o espanto de outro por não termos ainda sido vacinados para a Covid-19…dá a machadada final na nossa ilusão de juventude,alguém que nos questiona quanto à idade que temos e em modo brincadeira acrescentamos dez anos à realidade e recebemos o elogio da iniquidade:
“estás muito bem para a idade!”
Esta é a idade do limbo…em que os jovens nos acham “velhos” para quase tudo; os da nossa idade, “velhos” para quase nada; os mais velhos nos consideram jovens; e nós… depende do dia.
Chegados ao topo do promontório, onde a vista é mais ampla e realista, importa não nos deixarmos subjugar pela tirania dos números nem pelo devaneio da sua irrelevância.
Negar-lhe importância é desvirtuar o supremo objetivo da vida;permitir que nos maniete, é depreciar o caminho adiante.
Pessimistas e otimistas, envelhecerão na mesma, porém não trilharão o mesmo caminho.
Tormentas todos teremos, Boa Esperança terão alguns…provavelmente aqueles que ainda se lembrem que o Gigante Adamastor só existe nos nossos medos e que não foi a escuta-lo que chegamos a outros mundos.
Natércia Teixeira