CANTAR PORTUGAL (dos pequeninos)
No pequeno mundo do Porto e arredores por onde semeio poesia, encontro um Portugal dos pequeninos, povoado de “vananas” e “vaidosos”. Os poucochinhos que restam são parolos e provincianos, palermas e sonhadores, talvez honestos e são, de certeza, “pobo”…
Quem diz que a cultura é para semear graciosamente, leva logo com um encolher de ombros como quem diz: “Deve ser fraquinha! “. e quem exige carro, tacho, palmas a acompanhar e uma notita para os alfinetes, é muito bom, é carote, mas é bom… é muito bom!
Há passeando-se, pavões, araras, papagaios domesticados e artistas de meio palmo no jardim dos “vaidosos”. Depois, no mesmo pequeno mundo, há gente que nunca diz “não” quando a cultura vai á procura de gente e encontra gente que quer ter cultura.
Isto passa-se com os grupos corais, os amigos que cantam Zeca e Adriano, os tenores, os músicos, as pessoas a quem pedimos para falar da nossa história, da sua estória, de saúde, de civismo, de poetas, de artistas que partiram mas deixaram obra e que continuam almas humildes, generosas, verdadeiras e sem brasões nem galões.
Tantos nomes que podia aqui escrever, tanta gente que comigo avança levando saber certo e sorriso franco. E quantas pessoas deixamos felizes, nos centros de dia, nas bibliotecas, nas igrejas, na cadeia…quantas vezes saímos com lágrimas nos olhos perguntando coisas estúpidas a um deus que nem sequer sabemos se existe; sentindo que lavramos terra barrenta e dura mas onde as papoilas ainda se conseguem vingar com tolerância, palavras certas e passos firmes. Somos o grupo dos Vananas. Vamos, vamos embora, vamos carago, e já lá estamos…sempre!
À mistura, ainda encontramos os lindinhos, os amigos dos senhores “dótores”, primos dos “inginheiros” e muito próximos do político que está na moda lá práquela banda. Querem nome em letra gorda nos cartazes, um lanche ajantarado com fotos e vídeos e, se possível, uma suite com bidé, para lavar os inchaços. Estes levam um cachet, porque, é claro, são pessoas muito solicitadas nos “inventos”, conhecem gente fina e fica bem levar uns euritos. Até porque levaram também uns “vananas” que são muito bons e são assim…coitados, boas pessoas…”vananas” a sério. Estes são os que militam e penetram nas fileiras de toda a “vida artística”, os tais que estão na TV, no comício dos Jotas e é claro no bar In da malta “bem”.
Depois há os outros. Há o “pobo” parolo e provinciano, honesto e sonhador, que é uma mistura disto tudo e que, porque é muito católico, perdoa tudo e ama os seus inimigos e vai a Fátima a pé e ainda acredita que os meninos chegam de avião, se não houver greve nos voos lowcoast, senão aproveitam mesmo o bico de uma cegonha que fez ninho ali prás bandas de Estarreja. e aparecem em casa à hora do tacho.
Sabem que mais: Estou velha e cansada. Pertenço à tal peste grisalha que hoje se tornou a maior casa da Misericórdia Portuguesa, porque paga as fraldas dos seus velhos pais que sonharam, para nós, um futuro diferente, paga as rendas de casa dos nossos filhos, agora quase tão pobres como os seus avós porque foram ficando desempregados; paga os livros dos nossos netos e isto enquanto se olha mensalmente para a reforma que vai mingando, mingando, mingando porque choveu muito e ela molhou-se.
Vivo a última etapa da minha vida num moliceiro que já nada consegue arrancar do fundo da ria de Aveiro, que perdeu o leme e anda ao sabor do vento e, ainda por cima, esqueci-me de tomar as pastilhas para o enjoo e farto-me de vomitar. Fiquem em paz…
Vou ver se amanhã acordo “baidosa” porque, hoje estou farta de ser “vanana”, ainda quero ter coragem de ser e morrer Pobo nesta terra portuguesa, e amar, até ao fim, este país tão mal frequentado. Se ainda souberem, ajudem-me a cantar, de pé, este hino maravilhoso:
“Heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal
Levantai, hoje de novo, o esplendor de Portugal"