HISTÓRIAS AVULSO | Jaime Froufe Andrade
(A pandemia pôs-nos à espera do futuro. Parados pelo vírus, talvez seja tempo para percebermos o que deixámos para trás. É essa a proposta de Histórias avulso)
O pássaro de Eucísia
Aquela manhã de endoenças e nevoeiro baixo marcou-me. Tatuou-me a memória. Foi num olival, em Eucísia. Nessa aldeia de nome mágico, do nordeste transmontano, encarei um pássaro surpreendente, de cor indefinida. No alto da cabeça, exibia uma crista punk...
Apareceu-me por entre o silêncio das oliveiras, pousou num ramo, à altura dos meus olhos e começou a mirar-me. Fê-lo com aquela atenção que se dedica a um amigo que não se vê há muito tempo. Manteve-se assim, tranquilo e persistente, ao alcance da minha mão. Sempre a olhar-me nos olhos. Fixamente.
Nessa sua linguagem sem som senti que estava a transmitir-me uma mensagem. Pisquei os olhos, incrédulo. O pássaro-mensageiro respondeu com outro piscar. A cena repetiu-se uma e outra vez. Assim, nos mantivemos, um diante do outro, com o tempo entre parênteses.
A iniciativa da despedida foi sua. Ergueu-se no ar e afastou-se lentamente, acabando por desaparecer, sumido pelo nevoeiro. Eu, preso ao chão. Aquela criatura alada levava consigo algo de mim, sem eu conseguir saber o quê.
Retenho ainda a imagem perturbadoramente viva do pássaro de Eucísia. Como se a sua partida estivesse ainda por acontecer.
Jaime Froufe Andrade (jornalista/escritor)