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Histórias avulso : Froufe, o almocreve | Jaime Froufe Andrade

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(A pandemia pôs-nos à espera do futuro. Parados pelo vírus, talvez seja tempo para percebermos o que deixámos para trás. É essa a proposta de Histórias avulso)

 

Froufe, o almocreve.

António Froufe, meu avô materno, era almocreve em Trás-os-Montes. Passava os dias por caminhos e atalhos, subindo e descendo serras e montes, acompanhado por dois machos ajoujados de flanelas, serrubeco, mantas, fazendas, nastros e elásticos, botões, agulhas, dedais... 

De povoado em povoado, sempre atrás dos machos e na companhia do Segredo, um cão do tamanho de uma vitela, percorria a pé grandes distâncias. Quando regressava ao Seixo de Ansiães, a sua aldeia, dava ordem ao Segredo para estugar o passo e assim chegar primeiro a casa. Era esse o sinal de que a sua Margarida, a minha avó, necessitava para meter batatas na panela, couves e um rabo de bacalhau, a refeição preferida do tendeiro, pois também assim chamavam à sua profissão. Ele só se sentava à mesa  para cear depois de ter tratado do passadio dos seus companheiros de longas jornadas, os machos e o Segredo.

Uma vez, ao chegar ao Seixo de Ansiães, deu com o padre Amável à janela, a tomar o fresco. Nesse tempo, por ali não havia telefone nem rádio e o jornal só chegava uma vez por mês. As notícias do que ia acontecendo na região era o António Froufe quem as trazia. 

Diz-lhe o padre: Viva, senhor Froufe. Então que novidades nos traz? Para o almocreve essa era a pergunta ideal… não deixou fugir a oportunidade.  Olhe, Senhor padre Amável, vi em Coleja uma coisa... olhe, nunca vi nada igual… juro... 

O tendeiro, grande contador de histórias, sabia aguçar a curiosidade do ouvinte. E continuou: Vi uma couve tão grande, tão grande, tão grande, que de certeza chegava aí à sua janela... Vendo bem, a couve é da altura da sua casa, a passar...

O padre Amável não comentou. Não acredita senhor padre? inquieta-se o meu avô, receoso de ter ido longe demais. Se o senhor Froufe o diz..., respondeu evasivo o padre Amável. 

A seguir disse-lhe: Pois olhe, eu tive de ir às Celores dar uma extrema-unção e sabe o que vi lá, senhor Froufe? Uma dúzia de ferreiros, no adro da igreja, a fazerem um pote de ferro tão alto, tão alto, tão alto, que chegava bem à altura dos sinos da nossa igreja, a passar...

O meu avô almocreve percebeu em que é que estava metido. Remeteu-se ao silêncio. Então o padre Amável, implacável, rematou: Irá servir, certamente, para cozer a couve que o senhor Froufe viu em Coleja…

Jaime Froufe Andrade, Jornalista

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