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BAIÃO CANAL - Jornal

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Eduardo Roseira | MARTELINHOS DE S.JOÃO

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Quantos de nós, não andamos já de martelinho de plástico na mão, ano após ano, nas noitadas de S. João, sem sabermos qual a sua origem.

            Tudo começou em meados da década de sessenta, quando Manuel Boaventura, emigrante em França, estava sentado à mesa de um restaurante, pegou por acaso num saleiro-pimenteiro em forma de fole e num rasgo de inspiração lhe surgiu a ideia de fabricar um martelinho de plástico com o formato do respectivo utensílio culinário, que produzisse um som quando o fole fosse pressionado.

            Posta a ideia em prática, o irreverente martelinho surgiu pela primeira vez em 1968, a pedido dos organizadores da Queima das Fitas do Porto, que pretendiam “qualquer coisa” que animasse o Cortejo, oportunidade que Manuel Boaventura não deixou escapar dado que já há uns tempos tinha em “stock” uns milhares de martelinhos, sem saber que destino lhes dar.

            O seu espanto foi enorme, quando ao ver passar o Cortejo da Queima das Fitas, deu com os estudantes bem ao seu modo folgazão, a baterem na cabeça uns dos outros com os martelinhos que tinha inventado e fabricado sem nenhum fim específico.

            Os estudantes tinham acabado de lhe dar uma brilhante ideia.

                       Assim, no S. João desse mesmo ano decidiu distribuir pelos vendedores ambulantes das Fontaínhas, no Porto, para estes darem às crianças os martelos que lhe tinham sobrado.

            Entretanto, no ano seguinte, por pressões do então Vereador da Cultura, da Câmara Municipal do Porto, Paulo Pombo, o Governo Civil do Porto proibia Manuel Boaventura de colocar no mercado os hoje célebres martelinhos; “por estes atentarem contras as tradições sanjoaninas, as quais os portuenses devem defender”.

            Este caso arrastar-se-ia ao longo de três anos pelos Tribunais e foi bastante “martelado” pela imprensa da época.

            A “tese” dos martelinhos acabaria por vencer e estes instalaram-se definitivamente na noite sanjoanina como símbolo do trabalho, agressividade e de vontade do povo do Porto e do Norte.

            O popular martelinho de S. João, como é conhecido, tem sofrido, quase anualmente, metamorfoses na sua essência, pelo que, de símbolo de trabalho, passou de símbolo “agressivo”, a símbolo dócil, de lazer e de vontade para o desejo…

            Alhos porros, erva cidreira, manjericos, farturas, cascatas, rusgas e a inevitável passagem pelas Fontaínhas, continuam ainda a fazer parte da tradição e do “folclore” da noitada do S. João portuense. Mas o martelinho de plástico veio mesmo para ficar e ter uma forte influência nas festas sanjoaninas, provocando uma certa ruptura na tradição.

            Há quem não goste lá muito deste “martelar” a cabeça e prefira, porque tradição é tradição, ir para casa com cheiro a alho porro,,,

Cá por mim, levar com um, ou outro pouco me importa, afinal é o nosso S. João!

            Na noite de 23 para 24 de Junho, em que se celebra o Solstício de Verão e a liberdade na sua essência mais pura, o povo sai à rua numa mescla de idades, condições, credos e raças para gozar de forma anárquica a maior festa democrática do Mundo, que é o S. João do Porto, com as ruas pejadas de gente a dar azo à sua folia, brincando de forma fraterna o S. João, num espírito único em todo o Mundo.

            Esta crónica é também de saudades de um S. João que nos foi roubado já pelo segundo ano consecutiva, por uma sacana de pandemia.

            Eu que até nem sou de rezas, já dei comigo a orar ao nosso santo, que nos livre desta praga, a ver se para o ano podemos sair à rua em liberdade…

 

Eduardo Roseira

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