O desporto não se mede aos palmos mas pelas marcas positivas que perduram. Com a globalização vai-se perdendo
proximidade local. Uma rua, um bairro ou freguesia eram os destinos iniciais. A proximidade entranha-se e eterniza-se. Nascem amizades que perduram.
Um dos meus clubes, onde vesti pela primeira vez a camisola oficial para jogar (o extinto Sport Progresso), como tantos outros pelo país, nasceram com força, por todo lado, no final da Monarquia e início da República. Como origem, o cimento da coragem.
Cidadãos e cidadãs criaram espaços de debate, de construção de alternativas, de extensão do conceito de amizade.
Primeira obra notável, o “nascimento” das sedes, a casa para servir todos. Os momentos mais significativos para cada família organizavam-se aí. Depois a organização de processos eleitorais, distribuição de pelouros e responsabilidades e a sempre complexa capacidade em obter fundos para cobrirem as despesas. A cidadania em exercício.
O cartão de sócio funcionava com orgulho como identificador com sabor especial. Como foi possível organizarem secções para diversas modalidades? Com trabalho, com visitas porta à porta e unindo as populações, numa entrega de excelência. Se houvesse um problema, a tarefa para o tentar solucionar passava pelo trabalho coletivo. Quando miúdo, durante a semana, via os funcionários do talho, da mercearia, do café, dos seguros e escritórios e muitos mais que, nos domingos, se transformavam em heróis enormes, dentro das 4 linhas. As cores dos equipamentos, os emblemas e insígnias, nasceram com afeto e numa lógica especial que une e se entranha. Ainda hoje sinto o “mundo” onde aprendi a escolher os caminhos sem esquecimentos. Todas as tarefas que um clube exigia eram desempenhadas com dedicação. As horas dedicadas ao clube, em horário pós-laboral, atingiam um grande volume e responsabilidade. Por outro lado, a convivência entre todos (dirigentes e sócios não estavam em patamares diferentes, porque o foco era o clube). Reuniões debatidas com calor mas nunca desvalorizando o essencial: como manter e até crescer com sustentabilidade? De atletas jovens a seniores, passando por cargos nos Órgãos Sociais era percurso comum; assim como os clubes mais poderosos terem a sua base de recrutamento nos clubes mais humildes, onde se aprenderam as bases e a motivação para o desporto e para a vida.
As horas dedicadas ao clube, as iniciativas organizadas, a festa do aniversário, eram momentos de grande e sentida solenidade. Os campeonatos distritais atingiam qualidade elevada, surgiram depois os campeonatos amadores e um aumento de praticantes que foi exemplar, para valorizar a função do desporto e da solidariedade. Aí se fundamentou
a noção integrada de equipa como identidade. Recordo a inauguração da luz artificial e do jogo com o Infesta (rivalidade por vizinhança), como também muitos dos amigos que partiram… Pertencer a um clube desses deveria ser a lógica inicial. Contudo, a evolução dos tempos revelou profunda mudança: uma elitização de competições (negócio a comandar, adulterou prioridades) e uma redução forte que se abateu sobre os campeonatos locais. À medida que se avança, surgem jogadores e clubes fantásticos, com proezas cada vez mais mediáticas para além do jogo, os adeptos centram-se nas “estrelas” e perdem origens. Pensar global e agir local, inverteu o sentido e empobreceu o conceito. Muitos de nós, quando nos tornamos jogadores profissionais, sempre que era possível cumpríamos a obrigação de dizer “presente” quando a nossa colaboração fosse útil.
Como vamos iniciar mais um ano, desejamos que seja possível retomar percursos e valores indispensáveis.
Homenagear clubes, criar condições que evitem a sua extinção (realidade contínua sem o cuidado merecido), apoiar projetos de crescimento e maior ligação com as autarquias e escolas, procurando atrair os jovens para prática desportiva, sem grandes deslocações e perdas de tempo.
Neste primeiro texto deixo uma sugestão:
- Criar o Dia do Dirigente Desportivo Benévolo (com Estatuto definido).
Como homenagem ao seu trabalho em prol dos clubes, lutando sempre contra muitas dificuldades e praticamente sem apoios. Os clubes merecem que a democracia, que também ajudaram a reforçar, seja eficaz e não inverta as pirâmides do poder: clubes com muitas despesas, exigências institucionais e sem receitas para poder continuar. Ondereside a solidariedade do futebol profissional para com o futebol “amador” (termo que perdeu uso e que tinha uma dimensão fantástica)?
Libertem os pequenos clubes de amarras que destroem, porque a sua obra é gigantesca, específica e indispensável.
O clube pode estar na base da organização desportiva, mas a sua importância tem de estar no topo em função do trabalho que desenvolvem como escola de cidadania.
Bom ano para todos.
Aníbal Styliano ( Professor, comentador )
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