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BAIÃO CANAL - Jornal

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Um natal | Jaime Froufe Andrade | O MENINO trolha

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No século passado, quando nasci, o pai Natal, aqui no Porto, ainda não servia para nada. Era o Menino Jesus quem me trazia os brinquedos. Até aos seis anos foi assim. 


Depois, na escola, a matulagem da rua da Torrinha, de S. Vítor, da ilha do Buraco trouxe-me para a realidade. (Apesar de tudo, preservei ao longo dos meus 77 anos, a capacidade de acreditar em milagres. O que seria a vida sem eles?)


Durante o meu tempo de inocência, o Menino Jesus nunca me faltou com brinquedos. Sei bem onde Ele os ia buscar. Fornecia-se no “Bazar dos Três Vinténs”, uma loja perto de minha casa, ao fundo da Rua de Cedofeita. 


Na escolha das prendas, Ele sabia bem o que fazia. Não foi de certeza por acaso que, entre tanto brinquedo que me deixou no presépio lá de casa, o Menino Jesus apenas me tenha oferecido duas bolas. Matéria de facto eram os estragos que as elas causavam: jarras tombadas, vidros partidos, lâmpadas fundidas… 


Mas, na sua infinita sabedoria, o Menino Jesus arranjou modo de pôr fim a tanto prejuízo. Inspirou-me um remate desenquadrado e a bola - a primeira que ele me ofereceu - foi parar ao quintal da vizinha. Consegui recuperá-la, mas de pouco me serviu: esvaziara-se num pico de uma roseira. Ficou como morta, deixou de pinchar. 


Talvez arrependido de tal desperdício, Ele deu outro destino ao segundo “esférico”.  Fez aparecer, na minha rua, ao fim da tarde, um menino-trolha que não tirava os olhos da bola. Inspirou-me então  um gesto de partilha, o de emprestar a bola a quem dela estava tão desejoso: «Não te esqueças de a trazer amanhã…»

O menino-trolha, deu imediato cumprimento ao desígnio do Menino Jesus: sem dizer palavra, meteu o “esférico” na lancheira e pôs-se a andar.

Jaime Froufe Andrade

 
 
 

Um Natal | SEMPRE CA GENTE QUISER... | Lourdes dos Anjos

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Aí está mais um tempo de festas , de prendas, de gastos .
Tempo de faz de conta que há família de verdade,que todos sofrem de
muita   abastança de amor e de solidariedade.
Já não me apetece falar da vaquinha que aquece o filho de Maria nem do burro que lhe faz companhia.
 Não sei o nome de nenhum dos pastores que  ficaram sem rebanhos,
quando  a serra ardeu e tudo foi pró caraças mas sei que  os
pobrezinhos não tem direito a subsídios pagos por companhias de
seguros chinesas nem pelos cofres das câmaras municipais....
Os reis magos vão muito à frente do seu tempo e  já não conduzem
camelos. Todos eles foram ao Catar ver a bola e agora vendem coca no
coreto que  fica  ao ladinho da capela de S.Quericalho de Gondovai.
S. José foi eleito  deputado do parlamento europeu e está bem na vida
sem ter necessidade de andar agarrado a um pau de marmeleiro a guardar
bestas
 Nossa Senhora recebeu o décimo terceiro mais os 240 de prenda do
Santo António e foi colocar umas unhas de gel tipo garra de águia real
para ir ao baile de fim de ano  em Vale de Judeus.
Os anjinhos estão a brincar com os seus telemóveis topo de gama e até
nem incomodam ninguém.Anjos são anjos...
E pronto o natal agora é só uma miragem.
Não há rezas nem aldrabices, Nem  familage á volta da fogueira  e até
as prendinhas  deixaram de vir embrulhadas e com lacinhos coloridos.
Isso são parolices ....Agora  são mesmo prendas boas que fazem a
invejidade do S.Gonçalo de Amarante e da Santa Marta de Penaguião.
Hoje, qualquer gajo pelintra recebe um Audi topo de gama com via verde
para passear á fartazana e as catraias essas vão  passar o fim de ano
ás ilhas Maurícias onde  enfrascam  uns copos e depois  atiram-se prá
piscina do hotel da varanda do 13º andar e regressas depois  á sua
casinha do bairro social  da Pasteleira no BMW da agência Funerária .
E pronto   a época natalícia  já lá vai Foi bonita a festa pá...
Pró ano há mais  e se deus quiser 2023 vai ser um ano limpo de
pandemias e de outras tretas semelhantes
 Como os donos dos laboratórios já estão ricos comó caraças  o povo
merece agora  fechar as persianas, apagar a luz e descansar .Foi bom
mas acabou-se!
Não se esqueçam que Janeiro é tempo de"pica boi"
FELIZ 2023 PESSOAL...

Um natal | Natércia Teixeira | O breu da noite...

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O breu da noite escurecia a sala apenas iluminada pela luz difusa do candeeiro da rua que atravessava o vidro da janela que escorria água e formava Ínfimos cursos que desaguavam na madeira enegrecida por Invernos rigorosos.

Do lado de fora da janela, adivinhava-se uma finíssima pelicula de gelo.

Enrolada no xaile olhava o velho relógio que marcava seis da tarde.

Era ainda muito cedo para os meninos chegarem e quando a viessem buscar o cheiro do carvão já teria desaparecido…a neta zangava-se com ela por causa da braseira, dizia que a podia matar…devia ter razão.

Ela raramente aparecia…trabalhava muito…era como a mãe.

Aquele dia fora um acaso…passou por perto e entrou.

Viu a braseira!

Disse que aquilo matava.

Devia saber do que falava…estudava…andava sempre a correr, sempre ocupada.

Andavam sempre todos muito ocupados.

A mãe nem se fala.

A neta disse que não queria mais ouvir falar de braseiras…ela sabia…era doutora, não sabia do quê…mas era alguém, isso é que importava.

Desde esse dia passou a acende-la às escondidas…não a queria aborrecer.

Não voltou a acontecer…ela não voltou a passar por lá perto.

Tinham-lhe oferecido um ventilador…tão bonito que até custava usa-lo.

Também não queria gastar muita luz…tinha escutado nas noticias que ia ficar mais cara…desde esse dia até ligava a luz mais tarde.

Claro que a filha e a neta não precisavam saber disso.

Iam zangar-se as duas.

Voltou a olhar o relógio que atravessou gerações…tinha sido dos seus pais…herdou-o quando casou…o relógio viu nascer a filha e viu ajuda-la a criar os netos.

Seis e meia da tarde.

Tinha passado a tarde a fazer sonhos…os meninos adoram e Natal sem sonhos, não é Natal.

Talvez os tivesse feito cedo demais…eles ainda iam demorar a chegar…trabalhavam muito.

Vinham busca-la.

Trabalhavam tanto que era um restaurante que ia fazer a ceia.

Agora já não se comia bacalhau cozido com couves…parece que era polvo e peru recheado.

Disseram que não queriam rabanadas…só bolo-rei de chocolate e os sonhos que voltaram a estar na moda.

Sacudiu o gato que teimava chegar-se tanto à braseira que ainda chamuscava os bigodes.

Era a sua companhia o velho gato…miou desagradado por se ver banido do aconchego das brasas e saltou-lhe para o colo.

Custava-lhe deixa-lo mas os meninos eram alérgicos ao pêlo.

Preocupava-a uma doença.

Todos trabalhavam tanto!

Acendeu o candeeiro da mesinha de apoio.

Pensou ler qualquer coisa para se entreter…teria gostado de ser professora.

Outros tempos…poucos recursos e o pai não achou esse gosto importante.

Olhou para a pequena estante com livros…sabia-os de cor…bastava-lhe recordar, assim também poupava os olhos e na luz.

Lia para os meninos quando tomava conta deles em pequeninos.

Um final de ano eles ficaram lá em casa.

Os pais iam ao réveillon…na verdade iam apenas jantar fora como das outras vezes que lhos deixavam.

Leu-lhes a história da Menina dos Fósforos.

A mãe aborreceu-se imenso…não queria os meninos traumatizados…as crianças eram sensíveis e Andersen estava ultrapassado.

O livro ostracizado passou a estar dissimulado por outros mais consentâneos com a sensibilidade vigente.

O carvão negro anunciava uma braseira extinta, o tique taque do relógio uma espera que se prolongava.

Com o ronronar do gato no colo, deixou-se adormecer.

No sonho acendia um fosforo e diante de si surgia uma sala perfeitamente iluminada.

À mesa, toda a família.

Os meninos rodeavam-na e pediam que lhes contasse histórias.

O fosforo que segurava entre os dedos parecia não se extinguir…iluminava tudo…aquecia o ambiente e o coração de todos.

 

O som estridente do telemóvel misturou-se com o burburinho da movimentada rua, que apesar do avançado da hora, continuava, devido aos preparativos para a festa da passagem de ano.

No visor apenas surgiu a palavra: “ Lar”

Com a irritação e sem dar conta que a chamada fora atendida, ouviu-se do outro lado:

Mas será possível?! Está uma pessoa assoberbada e é isto!

Martinha confirma por favor a viagem que vou atender a tua avó!

 

-Pode passar que eu falo com a minha mãe…

- Peço desculpa, mas não tenho boas notícias, a mãe da senhora faleceu esta noite…

Partiu calma. Encontramo-la sentada na poltrona de leitura com um livro de Andersen entreaberto nas mãos.

O silêncio caiu sobre a noite.

 

Ninguém nunca está absolutamente sozinho e por mais insignificante que pareça a luz, ela ilumina sempre a escuridão.

Boas Festas e cuidem de vocês e dos vossos.

 

Natércia Ribeiro Teixeira

Dez/2022