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BAIÃO CANAL - Jornal

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PANDEMIA E SAÚDE MENTAL – UMA LUTA CONTRA O MEDO | Rita Diogo

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Esta primeira crónica não podia fugir ao tema do momento: a pandemia e saúde mental. Nunca se ouviu falar tanto de saúde mental como durante o ano de 2020. O olhar sobre os problemas de saúde mental parece dominar as temáticas em vários setores da sociedade. Mas quando nos referimos a saúde mental de que falamos, afinal? Segundo a Organização Mundial de Saúde, a saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo exprime as suas capacidades, enfrenta os stressores normais da vida, trabalha produtivamente e de modo frutífero, e contribui para a sua comunidade (WHO 2001). A saúde mental é parte integral da saúde, é mais do que a ausência de doença, e está intimamente ligada com a saúde física e com o comportamento. A saúde mental é a base do bem-estar geral. De facto, não existe saúde sem saúde mental.

Em março de 2020, a comunicação social anunciava o primeiro caso de Covid19 em Portugal. A infeção por SARS-CoV-2 tinha chegado ao nosso país. Poucos dias depois era decretado confinamento obrigatório e a nossa vida mudava radicalmente, sem que o tivéssemos previsto ou desejado. As crianças e jovens aprenderam a partir de suas casas, através de plataformas digitais e da telescola reinventada, os adultos tiveram que adaptar as suas vidas a esta nova realidade, ficando em teletrabalho e transformando as suas casas em locais de trabalho, em locais de estudo, acumulando no mesmo espaço a vida profissional, escolar, pessoal e familiar. Muitos fecharam os seus negócios ou ficaram desempregados. Todas as rotinas sofreram uma mudança radical. Estávamos a enfrentar a maior crise económica, social e de saúde das nossas vidas. De um momento para o outro sentimos que fomos postos à prova, desafiados a testar as nossas capacidades de adaptação, resiliência e superação. Independentemente da pandemia, existem e existirão sempre pessoas mais vulneráveis do ponto de vista da saúde mental. A rotina diária, o trabalho, as relações e interações sociais funcionam como fatores de proteção e a sua rutura traduz maiores vulnerabilidades. O medo de um vírus desconhecido, a reação emocional ao perigo, a ativação emocional à mudança imposta foram uma constante durante grande parte do ano de 2020. Houve um decréscimo do nosso bem-estar e um aumento do stress e dos problemas ligados à saúde mental e uma maior fragilidade social.

É normal sentir medo e ansiedade face a toda esta incerteza, estranho seria não o sentir. As emoções podem apoderar-se de nós e é importante reconhecer que é expectável que elas surjam. Temos de as controlar e não deixar que sejam elas a controlar-nos. Procurar analisar e compreender o estado emocional que vivenciamos é o primeiro passo para controlar as emoções. Os seres humanos são criaturas sociais e o isolamento social é algo desconhecido e novo. Portanto, uma quantidade significativa da população tem dificuldade em ajustar-se a essa nova situação devido à perda de controlo, havendo uma sensação de desamparo. Como resultado, esse desamparo pode ter um sério impacto na saúde mental das pessoas e pode ser verdadeiramente esmagador. Este stress pode contribuir para a manifestação de transtornos de ansiedade, como transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada e fobias. Além disso, pessoas que já sofrem de distúrbios bipolares, psicose, transtornos obsessivo compulsivos e distúrbios alimentares podem ter uma maior taxa de recidivas. A Covid-19 pode levar a temores pela nossa saúde e pelos nossos entes queridos, distúrbios do sono e da alimentação, dificuldade de concentração, aumento do abuso de substâncias e agravamento dos problemas crónicos de saúde. Estes aspetos aliados a um decréscimo das respostas pelo cancelamento ou adiamento das consultas de saúde mental são terreno fértil para uma sociedade que adoece.

As palavras que usamos condicionam a forma como pensamos e sentimos. Portanto, não falemos de distanciamento social, mas sim de distanciamento físico. Não pensemos em isolamento, pensemos em proteção. Não nos centremos na crise, mas antes em oportunidades. Esta não é a altura para nos fecharmos e isolarmos, temos de manter os contactos sociais e de falar abertamente com quem nos é próximo sobre o que nos preocupa e sobre como podemos lidar com isso. Esta não será a altura para desistir e ceder à incerteza ou ao medo. Importa não esquecer que o medo é protetor e a coragem não é a ausência do medo, mas sim a capacidade de fazer o que precisa de ser feito apesar do medo. Não podemos controlar o futuro e as adversidades, mas podemos controlar a forma como lidamos com elas.

O estigma em relação a saúde mental continua a existir, também acentuado pela pandemia. É preciso informar mais as pessoas sobre a literacia em saúde mental. Continuar a informar e formar a comunidade. A aposta deve ser na educação e, por isso, a saúde mental tem que ser abordada nas escolas. É preciso investir em serviços de saúde mental, melhorar a resposta à população, porque o que se verifica, infelizmente, é que as pessoas que têm apoio são as que reúnem condições financeiras para pagar, perpetuando as desigualdades. É preciso mudar o paradigma, prevenir mais e remediar menos. A instabilidade decorrente da incerteza quanto ao futuro, o medo de perder o emprego, a distância física de familiares e amigos imposta pela pandemia, a exaustão emocional e física a que muitas pessoas chegaram nesta fase, veio contribuir para um acentuado desequilíbrio no bem-estar. As pessoas estão cansadas, com pouco espaço para empatizar e sentir as necessidades do outro. Por tudo isto, é imperioso começar a transmitir mensagens mais positivas, sem alusão ao medo, potenciando a esperança e a positividade. É neste contexto que desejo, a todas e a todos os leitores, um excelente 2021 com a expetativa que as aprendizagens que fizemos, que as mudanças que fomos capazes de operacionalizar nas nossas vidas e que o nosso crescimento pessoal, irão dar frutos na luta contra a pandemia e contra o medo.

Rita Diogo ( Psicóloga )

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